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O CASAMENTO NA SELVA

Por Redação

em 21 de setembro de 2005

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O trabalho mais uma vez me tira de São Paulo. Nada a reclamar, ao contrário, já declarei algumas vezes neste espaço que, na contra mão do que pensa a maioria dos psicanalistas, estou absolutamente convencido das propriedades terapêuticas dos bilhetes aéreos. Muito especialmente quando os sintomas apresentados pelo paciente tem a ver com as consequências da vida repartida com outros vinte milhões num mesmo território.
Além dos preços escorchantes do estacionamento do aeroporto de Guarulhos (a equipe que cuida do leilão da Vale bem que podia colocá-lo no pacote), agora o cidadão ‘de bem’ que deixa o país tem de passar pelo estúpido ritual de segurança, aparentemente imposto pelos órgãos superiores da aviação internacional às companhias aéreas.
Trata-se de uma bateria de perguntas inúteis, escada perfeita para humoristas frustados dispostos a agradar a patroa.
Há quantos anos o senhor possui fisicamente esta mala? Se esta pergunta fosse formulada ao passageiro referindo-se à esposa, ainda teria alguma utilidade.
Que diferença faz porém, se a Primícia ou a Samsonite foi adquirida ano passado em Miami ou em 70 na Copa do México? Será que algum traficante vai declarar que recebeu um pacote das mãos de um estranho vestindo sobretudo preto no saguão do aeroporto? Que tal a pergunta ‘Quem e quando preparou sua mala?’.
Que tipo de conclusão importante para os sistemas de segurança será possível conseguir de respostas como ‘Minha esposa, hoje depois do almoço’ ou ‘A governante lá de casa, ele sempre esquece o pijama de mangas curtas’.
Bem, de qualquer forma, o tal procedimento parece ter gerado uma dúzia de empregos a mais o que justificaria ao menos parte dos dez minutos patéticos a que somos submetidos neste pequeno interrogatório.
Definitivamente vale cada centavo, o investimento numa passagem um pouco mais cara. Vir a Nova Iorque pelas companhias que oferecem os melhores preços, muitas vezes pode ser um sacrifício difícil de esquecer.
O superaproveitamento dos espaços dos aviões é desumano. Não há cristão que consiga viajar nas cadeiras espremidas da classe econômica por mais de quatro ou cinco horas, sem se sentir prisioneiro do DOI-CODI. Outra coisa com a qual não me conformo, desde o dia em que li numa revista, é a idéia de que as companhias aéreas economizariam somas significativas reduzindo a quantidade de oxigênio e, por consequência, a qualidade do ar respirado nas cabines dos aviões chamados ‘de carreira’. Este seria o principal motivo do desfiguramento de passageiros que se dá em viagens aéreas de mais de dez horas. Fica a sugestão aos departamentos de marketing das companhias. Aí está um diferencial significativo que, devidamente comunicado, poderia alterar as posições nos rankings.
Como você reagiria diante de anúncios dizendo ‘Voe KLM, 50% mais oxigênios nos seus pulmões’ ou ‘AIR PORTUGAL, você não respira aliviado só quando pousa’.
De qualquer forma, até Nova Iorque são apenas nove horas e meia. O vôo da American não estava cheio e consegui três poltronas para esticar a carcaça.
A chegada se deu rápida e descomplicada. Até os bulldogs da imigração, geralmente amistosos como um PM na favela Naval, pareciam estar de bom humor.
Começa o contato com as maravilhas processadas pelo capitalismo versão premium.
As máquinas que liberam os carrinhos de bagagem já perdoam viajantes sem trocados. Aceitam todos os cartões de crédito.
É claro, neste ponto Cumbica dá de dez, pois oferece carrinhos (de tecnologia Fres Flinstone é verdade) grátis, mas convenhamos pagar um dólar e cinquenta pelo carrinho com cartão é uma comodidade que justifica a despesa. Se você achou pouco que tal essa: por cerca de trinta dólares uma limusine como as que você vê nos filmes vai buscá-lo no JFK, com direito a plaquinha com seu nome e motorista educado, que o deixará em qualquer ponto de Manhattan. Apenas para lembrar, o infeliz que chega a São Paulo e quer ir de Cumbica a, digamos, Pinheiros, pagará cerca de cinquenta reais pela viagem num Opalão ou Parati, sem contar o desconforto da via Dutra e a depressão de encarar a marginal do Tiête. A graça de Nova Iorque já se apresenta desde logo. A mistureba de informação e a avalanche de mensagens descarregada por segundo em seu cerebelo só é comparável a mananciais de lugares como Bangkok ou Bombaim. Um caos muito mais ordenado e significativo que o nosso emaranhado de placas e back-lights paulistano.
Nem precisei comprar o Time Out ou o Village Voice para saber que uma das atrações mais interessantes da cidade é a exposição de Peter Beard numa galeria da rua Wooster no Soho. ‘Pedro Barba’ é um playboy de Nova Iorque que não se contentou com a loucurinha dos nights clubs da cidade. Não que não tenha experimentado ou enterrado o pé nas drogas e na ‘night life’. Mas um belo dia deixou tudo para trás e se enfiou no Kenya e em outras partes da África negra onde trabalhou observando e protegendo animais.
Sua obra artística é realmente impressionante. Como ele mesmo define, lembra os recifes de coral. Resíduos da vida que vão se acumulando e se transformando em algo belo. Assim, há dezenas de murais, colagens e principalmentes diários onde Peter colava de tudo, das fotos das mulheres fantásticas com as quais conviveu a imagens de animais mutiladas ou escalpeladas pelo homem. Sobre mulheres aliás, Peter fala com a autoridade de quem descobriu nas ruas de Nairobi, a modelo Iman, atual senhora David Bowie. Casado e divorciado três vezes, Peter tem uma opinião interessante sobre o casamento: ‘A instituição do casamento deveria ser revista sob a ótica de especialistas em claustrofobia. Tudo conspira contra a espontaneidade e a efervescência. É uma instituição voltada para a família e as crianças mas é biologicamente anti-natural. Da maneira como está organizado hoje, o casamento é tortura e masoquismo’. Considerando que Peter é especialista em animais selvagens incluídos aí as milhares de espécies que habitam Manhattan, vale a pena refletir.

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