Essa não vem no chiclete

por Leticia Pugliesi
Trip #279

Jornalista cria marca de tatuagens infantis com desenhos de tatuadores profissionais

Tire a película protetora. Coloque em cima da pele. Molhe o papel. Pressione de 20 a 30 segundos. A simplória técnica lembra as clássicas tatuagens de chiclete que brincávamos quando criança. Mas há uma diferença: estas são assinadas por tatuadores profissionais. A ideia veio da jornalista Cecília Gomes, que se inspirou no cotidiano dos filhos em um estúdio de tatuagem para criar a Mariposa, uma marca de tatuagens temporárias para crianças a partir de três anos. “Passei duas gestações no estúdio de tatuagem com meu marido”, conta ela, que buscou unir a vida de seus filhos ao seu cotidiano junto ao tatuador Jotapê Pabst.

Hoje o filho mais velho do casal, Mariano, tem 4 anos, mas eles lembram que desde muito pequeno ele já gostava de brincar de tatuagem. O menino colocava o decalque feita para a tatuagem dos clientes na pele e deixava o desenho ser transferido. Percebendo esse gosto pela brincadeira, no primeiro aniversário de Mariano, decidiram fazer tatuagens temporárias com os desenhos de Jotapê para as lembrancinhas — os olhinhos do pequeno brilharam ao ver as artes do papai na sua pele e na dos amigos. “Decidi empreender para ganhar dinheiro sem precisar passar muito tempo longe dos meus filhos”, conta Cecília. “Acho que participar da primeira infância deles é muito importante”, completa. 

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As cartelas de tatuagem são feitas por dez tatuadores (Jotapê Pabst, Renata Gregori, Teté Franceschi, Juliana Odett, Fábio Pimentel, Bruna Yonashiro, Gregorio Marangoni, Kalinegra, Angélica Spadari e Cauê Freitas), todos mães e pais de crianças pequenas. “Acho lindo ver minhas filhas gostarem de algo que envolve o meu trabalho”, conta Renata Gregori, uma das tatuadoras convidadas por Cecília. As duas meninas convivem, desde muito pequenas, neste meio. Na barriga, Martina, de seis anos, escutava o barulho da maquininha, e Sophia, de 12, brincava desde os seus cinco anos de tatuagem. “Acho que essa brincadeira é muito legal para me aproximar das minhas filhas”, diz Renata, que passa boa parte do seu dia se dedicando ao trabalho.

“A gente gosta do desenho, não gostamos só de ter uma tatuagem”, conta Jotapê, que, ao lado de sua esposa, busca valorizar as ilustrações feitas de forma artesanal: em aquarela, nanquim ou lápis. “Os fornecedores [que fazem a impressão das tatuagens] costumam receber imagens vetorizadas, que ficam um pouco pasteurizadas. Então, procuramos caminhos para enviar os desenhos de uma forma mais natural. Tentamos fazer o mínimo de tratamento neles, para que fiquem o mais fiel possível ao original” explica.

Além do site da marca, Cecília também vende as cartelas de tatuagem em feiras infantis e conta que vê um potencial para naturalizar a tatuagem, uma forma possível de quebrar o preconceito. A jornalista observa que a naturalização pode vir das crianças, porque, através delas, pais não tatuados acabam se envolvendo na brincadeira.

Pais e filhos

“Minha família sempre se comunicou muito com desenho”, conta Jotapê, que conviveu com a arte desde muito cedo. E não teria como ser diferente: ele é filho da artista Mariana Martins e do curador e urbanista Baixo Ribeiro, e neto do artista plástico Aldemir Martins, nome de grande relevância na arte brasileira. “A gente queria criar uma história nova, um tipo de lugar mais interessante para o jovem”, relembra Baixo, que, em 2004, junto da Mariana, sua companheira, criou a galeria de arte urbana Choque Cultural. “Sempre vimos a arte como algo do nosso dia a dia. Não queremos que ela esteja em um lugar segregado”, complementa.

Foi bem cedo que os pais de Jotapê perceberam seu gosto por desenho. “Quando o Jota era adolescente, a gente sacou que ele ia ser artista de alguma maneira também”, conta Baixo. A arte começa a se inserir cada vez mais no meio digital, e muitos artistas não conseguiam seguir no caminho tradicional. “Lembro que, desde que eu tinha uns 14 anos, minha mãe falava que tatuagem parecia um caminho legal para mim”, lembra Jotapê, que sempre se dedicou às artes analógicas.

Sobre Aldemir, seu sogro, que começou sua trajetória nos anos 1950, Baixo diz: “Apesar de sua carreira, ele nunca deixou de ser uma pessoa simples. A gente herdou dele o jeito de pensar na arte dentro do nosso dia a dia”.

Por toda essa história na arte, Cecília vê a Mariposa como uma marca neta do Choque Cultural e conta: “A família do Jotapê nos inspirou a seguir os mesmos passos deles: de plantar a sementinha da importância da arte”. “Eu achei muito bonito que nossa história tenha sido, de alguma maneira, uma continuidade com o Jota, a Cecília e os filhos”, pensa Baixo, que vê na Mariposa uma homenagem à sua família. “É importante conviver com arte desde cedo. Porque a vida é assim, e é bonito que seja.”

Créditos

Imagem principal: Caio Porto/Divulgação

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