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Muito mais que uma onda

''Como um Shiva desgovernado, as mudanças seguirão impávidas em suas inexoráveis trajetórias de destruição e reconstrução''

Imagem da série Enigmas (1981), de Regina Silveira, publicada na mais recente edição da revista ZUM, do Instituto Moreira Salles

Imagem da série Enigmas (1981), de Regina Silveira, publicada na mais recente edição da revista ZUM, do Instituto Moreira Salles / Créditos: Reprodução


Por Paulo Lima

em 13 de maio de 2015

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Temos medo de mudanças. Parece ser algo atávico contra o que podemos muito pouco. Qualquer ameaça ao conhecido, por pior que ele possa ser, soa aterrorizante. Assim, não é difícil entender o sentimento de angústia global, os altos índices de vendas de drogas lícitas para aplacar tensões, depressão e induzir o sono. É como se precisássemos desesperadamente de algo que nos ajude a lidar com um jogo que tem regras tão absurdamente mutantes que ninguém mais tem sequer condição de conhecê-las. O fato é: das relações afetivas às de trabalho, da forma como nos locomovemos e nos comunicamos às definições de gênero e à morfologia dos nossos corpos e rostos, nada mais será estável, claro, finito, definitivo nem sequer parecido com o que entendíamos como verdade alguns meses atrás.

Claro, haverá passeatas de motoristas de táxi revoltados com a chegada de aplicativos que subvertem a ordem vigente. Veremos parlamentares raivosos tentando impedir que pessoas manifestem e exerçam suas vontades e naturezas afetivas e sexuais, magistrados batendo seus martelinhos para vetar instituições e comportamentos que consideram impróprios, queixumes fúteis, sofrimentos reais e toda sorte de haters odiando tudo e todos o quanto e enquanto puderem. Mas como um Shiva desgovernado, as mudanças seguirão impávidas em suas inexoráveis trajetórias de destruição e reconstrução.

Pouca coisa soa mais antiga do que dizer que o mundo agora impõe como condição atuar em um cenário (roteiro, elenco e teatro incluídos) em permanente mutação. Uma opção é tentar segurar a água com a mão. Invariavelmente, a frustração impotente ao vê-la escorrer entre os dedos vai bater. Outra, para ficar na solução aquosa, é tentar aprender com o surf, metáfora que nos é tão cara por aqui. Trata-se de uma arte em que a grande graça é justamente aprender a dançar estabelecendo uma harmonia semicaótica e tão arriscada quanto bela, entre um ser humano e um meio que nunca para de se mover e de se transformar.

Paulo Lima, editor

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