por Paulo Lima
Trip #282

Na lista dos principais apresentadores do Brasil há 20 anos, Marcos Mion se recusa a ficar parado e usa a irreverência que o consagrou para defender o que acredita

Desde a sua estreia na televisão, há 20 anos, Marcos Mion deixa uma coisa clara: não é um apresentador como outro qualquer. Do maluco que zoava os músicos nos anos 2000 no Piores clipes do mundo, da MTV, ao cara que levou a Record à vice-liderança do Ibope no comando do programa A fazenda, muita coisa mudou, mas ele segue arriscando tudo para dizer o que pensa e fazer o que acredita.

Aos 39 anos, dedica boa parte de seu tempo para promover causas pessoais que, como sempre acontece com ele, acabaram ganhando uma repercussão inesperada. Uma delas está diretamente ligada a Romeo, seu filho de 13 anos. Pai dedicado, Mion escreve sobre a rotina com o garoto, que é autista, em posts com mais de 150 mil curtidas e explica, por exemplo, por que ele e a mulher, Suzana Gullo, viajaram apenas com seus outros dois filhos – Donatella, 10, e Stefano, 9, para o exterior (quem tem a condição não lida bem com mudanças bruscas de ambiente). Sua faceta pai de menina também é sucesso de audiência. Tanto que levou Mion a escrever um livro para falar do assunto. “Comecei a ver que a maioria dos homens não estava muito bem nesse papel. O livro foi o início desse movimento por pais mais presentes”, afirma.

A família ocupa grande parte do espaço em suas redes, mas ele ainda consegue encaixar citações ao ídolo Arnold Schwarzenegger, que o inspirou a ser fisiculturista. Sim, os bíceps e abdome rasgados podem até ficar escondidos sob a roupa em suas aparições na TV, mas são fervorosamente trabalhados pelo apresentador e devidamente expostos em cliques quase espontâneos no seu Instagram. A razão de tanta dedicação? Ele jura que não tem a ver com vaidade: “Quero ser um velho ativo para poder brincar com meus filhos e netos sem sentir dor”, diz antes de citar os patrocinadores de material esportivo, roupa e academia que conquistou por causa do hobby.

Mais maduro do que nunca e corajoso ao expor suas verdades, como sempre, ele falou com a Trip sobre paternidade e autismo, lembrou alguns dos momentos mais difíceis da própria trajetória e ainda passou a limpo a carreira na televisão.

Trip. Vamos começar pelo princípio. Como você foi parar no teatro?

Marcos Mion. Venho de uma família de médicos. Brinco que eu sou o único que deu errado, pois sempre tive gosto pelo palco. Na escola, lembro que me senti muito vivo ao encenar O gato de botas. Era uma brincadeira, até que um dia minha mãe falou: “Vai fazer um curso. Você gosta, você tem jeito”. E comecei a fazer Célia Helena, onde  conheci a Lígia Cortez, a quem devo minha carreira. Ela me disse: “Você vai continuar. Vai dar certo”. Se não fosse ela, teria feito medicina e herdado um consultório.

Como a morte do seu irmão impactou sua carreira? Ainda é difícil para você falar sobre isso? Nunca vai ser fácil. A gente aprende a conviver, mas a ferida está sempre lá. Ainda é meio nebuloso para mim. Eu devia ter em torno de 13, 14 anos.

O que aconteceu? Prefiro não entrar nos detalhes, mas meu irmão entrou na faculdade de medicina. Na comemoração, saiu com os amigos, teve um acidente e faleceu aos 18 anos. Sem dúvida, foi um divisor de águas na minha vida numa época que... Óbvio que isso acontece bastante, mas é cruel apresentar a morte para uma criança. Isso é uma das grandes pedras sobre a qual eu construí minha personalidade. Os efeitos foram devastadores, mas também benéficos, hoje consigo ver isso. Tudo o que fiz na vida foi para ser igual ao meu irmão.

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Tudo mesmo? A única coisa que fiz por minha conta foi o teatro e, na verdade, não entro muito nesse assunto, por isso dei uma versão resumida na outra pergunta. Mas a verdade é que a minha mãe me colocou nesse curso de teatro para me tirar de casa depois de uma depressão violenta que eu estava vivendo com a morte do meu irmão. E mãe é mãe, né? Foi o que me trouxe para a vida, e falo também que, de certa forma, meu irmão me levou ao teatro. Então, tudo que faço na minha vida, tudo de que gosto, é ligado ao meu irmão, Marcelo.

Há filosofias que indicam que ter mais contato com a morte é a melhor forma de entender a vida. Talvez esse choque tenha feito de você uma pessoa melhor... Sem dúvida nenhuma, o que falei que tem uma parte benéfica é isso. Cada um tem um tipo de reação, e a minha, em um primeiro momento, foi um amadurecimento gigantesco. Fui achar que poderia morrer a qualquer momento e, aos 13, 14 anos, nenhuma criança pensa nisso. Então, você muda a sua vida.

Você ganha essa consciência, porque a gente pode mesmo morrer a qualquer momento. Lógico, mas isso não passa na cabeça de um pré-adolescente. É a época do Super-Homem, do “vou pegar esse carro e dirigir muito louco, porque nada vai me acontecer”. Soube cedo que não é só com os outros que acontece, então, muitas atitudes que tenho são resultado de eu ter perdido meu irmão tão cedo.

A capacidade de brincar com tudo tem a ver um pouco com isso, de querer curtir o momento? Acho que o humor sempre veio comigo. Por alguns anos, ele sumiu e o teatro me salvou. Se existe uma escala de importância, o teatro está lá em cima, ao lado de Deus. Consegui perceber que poderia voltar a fazer as pessoas rirem. Na verdade, é muito legal essa história: quando cheguei ao curso de teatro, a Lígia propôs uma cena. Ela disse: “Você é casado e encontrou a sua mulher com outro. Agora você é outra pessoa”, e eu pensei: “Então, espera aí, eu posso ser outra pessoa? Posso largar minha dor e olhar por outra perspectiva?”. Aí entra muita culpa em relação aos pais, ao momento. Como posso ser feliz em um momento de tristeza? E o teatro foi tirando esse peso de mim. Fiz essa cena de um jeito engraçado e todo mundo começou a rir, isso me nutriu.

Como isso refletiu na sua vida? Voltei a ser capaz de fazer humor. Não só de fazer humor, como… Sou um defensor da teoria de que os melhores artistas dramáticos são os comediantes. Quando um comediante vai fazer drama, sai debaixo, porque há artistas dramáticos, que seguem a cartilha, mas quando você vive de humor, é porque você sabe o que é sofrer. Então, também descobri, depois do falecimento do meu irmão, que eu poderia, sim, fazer essas pessoas darem risada, mas, se é para fazer chorar, consigo sofrer que nem esse personagem. Sei aonde ele foi. E isso acho que é o que me completou como ator, que, no final das contas, é a minha profissão.

Já trabalhando, como era no Piores clipes? Você ia olhando e falando o que dava na cabeça? Sabe o que é, na verdade? O programa foi um YouTube antes de ele existir. Era ligar a câmera e sair falando, com a idade que tem que fazer isso – tinha 19, 20 anos. E a TV era diferente, era uma época de muita liberdade. Imagina na MTV, onde eles tinham que criar tendência? Não tinha internet e, mesmo assim, era aquela repercussão gigante, o assunto do dia seguinte. Não devia nada a ninguém e falava o que queria.

Teve alguma treta durante o Piores clipes? Teve uma que é uma história famosa. Por um tempo na MTV eu fui chamado de 2 milhões. Isso há quase 20 anos.

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O que rolou? Foi uma perda de patrocínio de US$ 2 milhões, que era o que praticamente sustentava a emissora. Aquilo era meu sonho, me dediquei ao máximo. E ninguém nunca tinha me falado: “Evita falar dos patrocinadores. Respeita”. Nem sabia que tinha patrocinador na TV. Então, um dia, estava analisando um clipe do Kiss, em que o Paul Stanley [vocalista e guitarrista] segurava um objeto que parecia o que o nosso patrocinador vendia – que ainda existe, por isso não vou falar a marca. E eu falava “O que Paul Stanley está fazendo com essa coisa? Isso não serve para nada. Até parece que o cara do Kiss estaria usando essa merda”. E foi um barulho. Mas, vamos combinar, cadê alguém responsável nessa hora? A MTV era assim, não tem jeito, e o cliente cortou o patrocínio, foi um caos.

E o outro lado do Piores clipes, que foi a fama e sua participação em outras iniciativas da MTV? Comecei cedo, e lembro que os críticos me chamavam de enfant terrible. Na MTV, me amavam. Comparando, era como o que aconteceu com o Whindersson Nunes quando ele estourou, só que sem internet. Foi uma explosão, e os críticos alimentavam isso. Aí, quando fui para a Band, no Descontrole, com essa coisa de eu ser moleque, fiquei dois anos lá e tomei duas advertências. Tive que ir na sala do [Johnny] Saad [presidente da Band] assinar. E falei: “Na terceira, tenho que levar para a minha mãe?”.

Como foi essa mudança para a Band, em que você foi submetido a uma pressão nova? Na Band, era realmente outro jogo. Como se você jogasse futebol em um clube de bairro e fosse chamado para jogar na liga europeia. Tinha toda a estrutura do mundo. E foi aí que, aos 22 anos, me tornei, e sou até hoje, o cara mais jovem a ter um programa diário, ao vivo, na TV aberta, o Descontrole. A gente era muito influenciado pela TV americana e foi um choque, porque levei a linguagem desse humor novo, que depois, surfou por anos com Pânico, CQC e outros programas. Eram coisas com as quais as pessoas não estavam acostumadas, a molecada pirava. Mas quem tinha o poder de escrever uma crítica, oscilava entre achar o máximo ou completamente fora de mão. A Barbara Gancia era uma crítica feroz, aí um dia liguei para ela e falei: “Você queria que eu estivesse fazendo o que todo mundo faz? Estou tentando mudar as coisas aqui”. E a Barbara, que é demais, me deu razão. Mudar o cenário é muito ousado e, graças a Deus, fiz isso muitas vezes e continuo fazendo.

Você comandou por quase oito anos o Legendários, na Record. O que o programa representou para você? Tenho muito orgulho. Foi, talvez, o maior desafio de todos. Porque eu estava na MTV, que tinha uma linguagem que ajudei a construir, mas chegou uma hora em que fazia o que eu queria lá dentro. Depois, fui descobrir que não era tão bom assim só ter carta branca. E, aí, decidi sair e apresentei um projeto para a Record. Tinha certeza de que ia dar certo, porque me preparei muito e juntei cabeças pensantes. Era sábado à noite, horário que, na época, estava morto. E eles adoraram a ideia.

Agora você acabou de apresentar A fazenda e foi bem elogiado. Como se preparou para este desafio específico? Penso em todas as pontas. Então, trouxe a internet e a Record deu as ferramentas. O projeto nasceu multiplataforma e acabou servindo de base para os outros realitys do grupo. Estava fazendo todo esse malabarismo e tinha que lidar com a situação inédita de estar comandando aquele hospício rural. Sou a única referência do mundo externo que eles têm, e isso gerou uma relação muito legal, que as pessoas perceberam.

Mudando de assunto, conta sobre a musculação. Você mergulhou fundo, né? No meu quarto de moleque, do lado dos pôsteres do Bob Marley e do Menudo, tinha um do Stallone e um do Schwarzenegger. Fui uma criança gordinha, então, achava aquilo o máximo. E sempre fiz esporte. Em torno dos 32, 33 anos, via os fisiculturistas na academia e falei para minha mulher: “Su, não quero morrer sem saber como é a vida do Schwarzenegger, do Stallone. Quero experimentar”. Quando ela me incentivou, acho que não tinha noção do que seria.

O que foi? Cheguei ao ponto de ir jantar na casa de amigos e levar marmita. Não é exagero, isso aqui é um esporte que tem duas características principais: a constância, porque você tem que manter uma frequência, e o tempo, já que a maturidade muscular é necessária. É um esporte edificante, o meu drive de fazer as coisas acontecerem. Você nunca vai conseguir carregar todo o peso do mundo, então, todo dia vai encontrar seu limite. E o que você vai fazer? Vai tentar de novo. O peso não vai ficar mais leve, você que vai ficar mais forte até a hora que conseguir levantar. E isso é uma filosofia que pode ser aplicada em qualquer setor da sua vida. Então, levava marmita para jantar na casa de amigos, no cinema – mas isso parei, porque fica um cheiro horrível e imaginei que as pessoas estavam chateadas. Imagina um marmitão de frango no meio do cinema?

O fisiculturismo também virou um negócio para você. Como foi esse processo? Tudo no que eu entro acaba atraindo esse universo e vira business. Hoje é uma outra fonte de renda que eu encaro como uma fonte que põe comida na mesa dos meus filhos. É uma dedicação extrema. Tenho patrocínios de material esportivo, roupa, academia… Era um universo muito carente de alguém que fosse formador de opinião, com credibilidade para falar como estou falando.

A chance de te ver com aquela sunguinha prateada é zero? Infelizmente, vou ficar devendo nessa vida.

Como é a relação do fisiculturismo com as drogas, hormônios? Isso já cruzou seu caminho? Vamos falar a real? Cruza o caminho de qualquer um que está em qualquer esporte. Depende de você. Eu nunca usei.

Além de todos esses trabalhos, você é autor de dois livros. Como foi sua entrada nesse universo? O primeiro foi o Escova de dentes azul, que escrevi explicando o autismo para as crianças. Percebi que quando a criança cresce com qualquer condição extraordinária por perto, ela cresce mais tolerante, de forma mais nobre e digna. Via as cartinhas que os amigos do Romeo escreviam para ele e pensava que eles seriam adultos legais, que sabem respeitar as diferenças. E vi que não tinha que escrever livro para adulto, mas para criança. Então, esse meu primeiro livro é pelo Romeo e pelos mais de 2 milhões de crianças diagnosticadas com autismo. Essa é a missão.

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E como veio o segundo, Pai de menina? Sou unha e carne com a Donatella, minha filha de 10 anos. Arrisco dizer que sou um bom pai, mas pai de menina é uma coisa que aprendi a surfar. Porque você tem que entrar no universo dela, e nunca tive problema com minha sensibilidade, com meu lado feminino. Aí fiz um post contando que uma vez por semana saio só com ela, para ela entender o que é ser bem tratada. Foi uma comoção. As pessoas me paravam não mais para falar sobre o Legendários, mas sobre a relação com a minha filha, e comecei a ver que a maioria dos homens não estava muito bem nesse papel de pai de menina. E o livro foi o início desse movimento por pais mais presentes. Mas ele serve para menina e menino, porque é sobre criar caráter. Ele é para você criar um elo, porque acredito que é na primeira infância que você cria o resto da vida que vai ter com seu filhos e eles vão ter com você.

O que seus filhos representam? Minha família é a coisa mais importante. Pensei em ser pai pela primeira vez quando cortei meu bolo de aniversário de 16. Queria passar adiante quem sou. Sempre tive uma bagagem diferente da idade que tinha. Perdi várias namoradas porque queria tanto ter filho e elas iam embora. Eu tinha realmente que encontrar a Suzana, que pensava como eu. A gente, com seis meses de namoro, estava tendo filho e casando.

O Romeo, que é um dos pilares da sua vida. Como foi a chegada dele? Ele foi a grande sorte da minha vida, minha maior benção, porque aquele moleque, naquele momento... Ele nasceu prematuro... Você tem noção do que é segurar uma vida humana na palma da mão? Se a sua vida não muda nesse momento, meu amigo, não vai mudar nunca mais. E, por conta do Romeo ter vindo primeiro, isso me moldou. Cara, eu sou muito elogiado pela forma que crio meus outros dois filhos, mas é que, para mim, a primeira experiência foi sob a ótica do autismo para todas as situações, e isso te dá muita casca. Aliás, acho que tudo o que construí na minha carreira, que me fez ter visibilidade e o poder do microfone, tenho certeza de que foi para poder dar voz ao meu filho e ao autismo.

Créditos

Imagem principal: Luiz Maximiano

Beleza: Jô Castro (Capa MGT)

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