Natal e Ano Novo

por Luiz Alberto Mendes

Uma perspectiva das festas de final de ano por um ex-detento

Lá se vão os tempos infelizes em que eu via o Natal só pela propaganda da televisão. Passei 32 Natais preso; esse é o 12º Natal que passo fora da prisão. Natal, hoje para mim é tempo de reflexão, de conflito e desespero por mudanças porque já não aguento mais o mesmo de sempre. Vai chegando o fim do ano e a batida da rotina diária, que se levou o ano todo, vai se tornando mais pesada a cada dia, até chegar em dezembro envergando a balança. Estou em meu limite, daqui para a frente é só ansiedade e neurose.

Na prisão é ao contrário. Embora toda tensão, já que todos querem passar as festas com a família e as grades, o guarda armado e as muralhas impedem. Assimilando essa realidade, o preso sofre muito, mas fazer o que senão relaxar e se alegrar com o que ainda é permitido? Todo dezembro parece que já inicia com esperanças, respira-se mais leve. A gente (o preso) não sabe o que acontece; talvez porque sabemos que é mês de Natal e que, por conta disso, muitos se lembrarão de nós. Algumas pessoas até lembram-se de orar por nós presos e creio que essas boas intenções chegam, de algum modo, ao seu endereço.

E então vem as festas, os encontros familiares, muito amor, muitos risos, nos esgotamos de sermos felizes, num momento. Mas depois vêm as duras lágrimas da despedida. A dor é tamanha que chegamos a questionar se ter familiares, visitantes, é realmente bom. Por um momento, vivemos a ilusão de que poderíamos ir para casa com nossa família. Ficamos suspensos no ar, inteiramente perdidos de tudo. Da prisão, do sonho e da vida. Demoramos para voltar à realidade dentro das muralhas.

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Enfeitamos a prisão, escondemos um pouco as grades, e o que elas representam, com papel de seda, crepom e laminados. Os familiares trazem a festa para dentro a prisão. As crianças se atropelam nas galerias. Para eles cadeia é diversão e alegria. O preso tudo faz para ver feliz suas crianças. Passa mais de mês enfeitando a prisão com toda arte que é capaz improvisar, para o Natal. Dez minutos antes de terminar a festa e o horário de visitações, é liberado para as crianças destruírem todos os enfeites. Então só se vê molequinhos e menininhas de cabo de vassoura nas mãos quebrando tudo. Os enfeites não resistem cinco minutos, cai a máscara e a máquina de moer gente surge devorando toda alegria que conseguimos produzir.

Aqui fora, de maneira geral, as reuniões familiares também são o que mais ocorre. É notável essa idéia de família para proteger, para estar juntos na alegria, na tristeza, na vida e na morte (nascimentos, aniversários e enterros). Uma pena é que essas uniões familiares desenvolvam somente a premissa de que devemos ser a favor dos nossos e contra os outros.

Existem os agregados. Amigos com familiares distantes ou inexistentes, que fazem essa ponte para transpor o egoísmo familiar. É quando penso que bem poderíamos nos considerar todos familiares, irmãos queridos e juntos vivermos a alegria do Natal e a do Ano Novo. Uma família misturada na outra e juntos a proteger aqueles que estão sós no mundo. Às vezes penso em como consigo ser tão sonhador e tão utópico depois de toda a dura realidade que vivi. Mas, nós não conseguimos ser felizes, mesmo sabendo que tantos sofrem e nada fazemos para ajudar? Abstrair, esquecer o outro distante e nos concentrar naqueles que já nos amam, me cheira a covardia. Fica fácil amar, dar alegrias e fazer bem a quem já amamos. Natal devia ser um dia dedicado ao outro ser humano distante de nós. Uma tentativa sincera de nos darmos a pessoas que não conhecemos e nos aproximarmos mais uns dos outros.

Eu vou a uma festa na casa de uma família que me adotou. Serei um agregado. Meus filhos vão para a praia. Não reclamo: a culpa é minha; estava preso quando eles nasceram. Não tive tempo/espaço para criarmos uma tradição de passarmos Natal juntos. Quando fui solto, cada qual tinha cavado seus espaços independente de mim. Restou que eu procurasse o meu lugar também. Nos primeiros anos, fiquei em casa e não aceitei convites de amigos, envergonhado de estar sozinho. Mas, aos poucos fui me soltando e nos últimos anos, passando essas festas com essa família que me adota. Sou alguém no meio deles, respeitado, querido e entre eles posso falar daqueles que não têm ninguém. Se a base da realidade é a conexão das consciências, busco fazer minha parte, quem sabe um dia a realidade surja de repente...

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