por Luiz Alberto Mendes

”Parece que há algo nas pessoas que é irredutível — não importa que lhes torturem, judiem, ou expulsem a alma de seus corpos”

Conversava com um amigo próximo à entrada de um dos banheiros do Shopping Center Norte, aquele em frente da livraria Saraiva, quando notei uma moça entrando no banheiro masculino. Nem sei porque, sou pessoa discreta que odeia chamar a atenção, aquilo me preocupou. Nem dei tempo ao pensamento de deglutir a informação e a imagem, e entrei atrás. Havia deixado meu amigo falando sozinho, sem perceber. Era como se estivesse hipnotizado: eu tinha que avisar aquela moça que aquele era um sanitário masculino. Deu um ataque de bom-samaritano que não pude resistir. Queria protegê-la daquele vexame.

Quando a alcancei, ela já estava diante de um dos mictórios, tirando o sexo para fora para fazer sua necessidade fisiológica. Entrei no mictório do fundo, e ali fiquei, olhando para a frente feito estátua, fingindo, compenetrado ao ato de urinar. E não saia nada. Estava morto de vergonha. Imaginei que pessoas tivesse visto a cena e não sabia onde enfiar a cara. Quando a moça/rapaz saiu do banheiro, saí também. Meu amigo me esperava:

— O meu, o que houve com você, hein? Perguntava ansioso, está passado mal?

Contei.

O sujeito só faltou rolar no chão de tanto rir. Dizia:

— Pior seria se você tivesse alcançado. Já pensou o "mico" de você avisando o "cara" que ali era banheiro masculino?

E ria...

Não gostei da zombaria. Marquei o cara, ele me pagaria, quando ele errasse, eu o faria arrepender-se de ter zombado tanto de mim! Estiquei os olhos para ver se ainda via a moça/rapaz. Eu vivo a defender a idéia de que não existe somente dois sexos. Cada qual faz o que deseja, com quem deseja e do modo como deseja. Não existem nomes para os "novos" conceitos de sexo. A vida social tornou-se fluídica, "líquida" como quer Bauman.

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Há cerca de 30 anos atrás, eu já pensava diferente da maioria das pessoas preconceituosas que maltratam esse povo, essa gente boa (um amigo os chama de "o povo do amor"). Eu os olhava com curiosidade extremada. Como eles podiam ir de encontro a tanta dor, sofrimento e humilhação? Eram maltratados, vilipendiados, humilhados e até assassinados e ninguém ligava. É preciso ter muita coragem para assumir tal diversidade! Eu sempre os admirei por tamanha valentia. Parece que há algo nas pessoas que é irredutível. É onde elas são o que são e ai tornam-se inamovíveis. Não importa que lhes torturem, judiem, quebrem ou expulsem a alma de seus corpos. Eles são o que vieram para ser. E gostam de ser o que são.

Mas, infelizmente, é assim que as pessoas, tidas por "normais", tratam o que for diferente delas. É bem mais fácil render-se ao comum. Refletir e contestar dá trabalho e pode até doer, em sua fase mais aguda. Não há nada mais broxante do que sermos todos iguais. Vivi mais de 31 anos preso, na marra, entre homens. É horroroso! Quando não há mulher o homem é relaxado. Então não faz barba e só corta o cabelo quando o guarda manda. Anda sujo, rasgado e mostrando o rego da bunda cabeludo. É mal encarado, mal educado, chega até a cheirar mal. Como professor tive que ensinar homens a como escovar dentes e como evitar frieiras enxugando entre os dedos do pé após o banho. Primariedades que muito deles não conheciam. Não havia poesia.

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Já aqui fora a variedade é enorme, nada é igual de verdade. Temos uma infinita diversidade de sexos, pessoas, maneiras de amar e de se relacionar. Podemos escolher onde e a quem frequentamos. Antes prevalecia o velho ditado: "diga-me com quem anda, que te direi quem és". Hoje a variedade se abraça e com quem andamos já não diz nada sobre nós, já que podemos ser inteiramente diversos. Há os "revoltados", aqueles que ainda pensam linearmente. Importam-se em demasia com a vida dos outros, qual não tivessem uma vida própria para viver. Espancam, humilham, destroem e até matam aqueles que não pensam ou sintam igual a eles. São os inimigos da diversidade. Querem tudo padronizado, controlado e com etiqueta. Infelizes...

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