”O beijo escorregou pra boca e eu morri. Garanto que morri”

Fui convidado a ajudar um grupo de universitárias em um trabalho de conclusão de curso que falava sobre o livro enquanto elemento transformador de pessoas. Para elas, era uma ideia, para mim, uma realidade comprovada. Elas queriam uma entrevista, um texto sobre o tema e uma palestra na faculdade. Só faltava eu ganhar o certificado também.

Nanci, minha conhecida do Facebook, foi quem me procurou. Gosto um bocado dela, sempre alegre e apaixonada pelo maridão. A virtude me encanta. Ela me apresentou outra menina do grupo: Mimi, apelido de Mitsuco.

Linda não é um termo que a defina. Ela era uma delícia. Mestiça de japonês e negro, com um corpo cheio de curvas sinuosas, olhos orientais, mais para birmanês, misteriosos e silenciosos. Não me iludi, devia ter mil universitários jovens, bonitos e cheios da grana atrás dela. Então, Nanci me contou que Mimi havia lido meu primeiro livro e ficado louca para me conhecer.

Ela era sistemática, não namorava ninguém, parecia estranha. Quiseram saber o porquê e Mimi respondeu apenas que era virgem. Para as meninas, foi uma revelação. A história viralizou. Mimi tinha 25 anos e se tornou a mascote da classe. Todos mudaram o jeito com ela. Nunca dei importância à virgindade, mas aquilo me atiçou, desafiou.

À noite, na palestra, contei como, através do livros, fui me educando, aprendendo gestos generosos e nobres, conhecendo o mundo e me tornando um cidadão útil. Falei por mais de duas horas, estava inspirado.

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Minha primeira morte

Ao fim da palestra, Nanci me deu um beijo e me disse que a Mimi tinha amado e pedido pra me convidar para um chope ali perto. Aceitei mais do que depressa. Mimi estava nos esperando, deslumbrante, brilhando como uma estrela, com aquele cabelão liso jogado de um lado do pescoço e cobrindo um peito. Cumprimentou a todos e, em mim, deu um abraço forte e um beijo que vi, tinha que ser na boca. Ela quase me levantou no ar, era mais forte, maior e tinha mais vitalidade do que eu. O beijo escorregou pra boca e eu morri. Garanto que morri. Mesmo.

O casal que nos acompanhava percebeu o clima e se foi. Ela quis caminhar. Não demos dez passos e, no primeiro lugar mais escurinho, a puxei. Nos beijamos como loucos, quase nos entredevoramos. Ela não podia demorar — o pai era rígido — e me falou, meio que em segredo, que era virgem e a primeira vez dela não seria assim. Perguntei à queima-roupa se ela queria que eu fosse o seu primeiro homem. Mimi foi levantando a saia e dizendo:

— Não está vendo? Se insistir demais, eu me dou a você ali mesmo, no meio da rua, agora! Sento, tiro a calcinha, abro as pernas e te espero...

Se eu não tivesse medo de ser preso novamente…

Decidimos que eu voltaria em dois dias. Foram os dois dias mais demorados de minha vida. Ela estava na rodoviária quando cheguei, me recebeu com um abraço forte e foi me conduzindo até seu carro. Queria saber onde iríamos. Quando nos acomodamos, ela disse: “No motel mais chique da cidade”.

— Mas já?

Respondi, feliz da vida.

No quarto, ela ficou com vergonha de ficar nua, ajudei e já fomos para as preliminares. Ela não sabia nada, só teoricamente. Ensinei. Demoramos duas noites para conseguir. Ela mesma quis e se escorregou. Daí pra frente, sempre que sobrava um tempo, eu ia para lá. Passamos férias no apartamento dos pais dela na praia. Foi o auge de nossa relação. Nos amamos muito, eu não podia vê-la nua que já pulava pra cima. Era demais.

Fiquei apaixonado por ela, seu jeito, seu pensamento sempre generoso, seu modo correto, sem mentiras, sua paixão por mim... E esse foi o fim. Eu tinha quase três vezes a idade dela. A consciência pegou. Eu não tinha nada para oferecer e ela merecia ser feliz, ter filhos, família. Quando descobri que estava com câncer, me defini. Não contei nada, optei por dizer que iria me afastar porque havia uma outra no caminho. Eu pensava que ia morrer, mas tive a coragem.

Estive há pouco com Nanci e ela me disse que Mimi casou e tem um menino lindo. Parece feliz, segundo ela. Mas...

— Mimi tem saudades de você. Adivinha o nome do filho dela?

— Luiz.

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