Amor transcendental

Após entrevistar alguns dos principais mestres de todo o mundo, o escritor e jornalista Lauro Henriques Jr. conta qual é a visão deles acerca do amor

"Muitas pessoas passam a vida exigindo que o mundo as faça felizes. Mas o mundo não foi projetado para fazer você feliz. O mundo está aqui para torná-lo consciente." Esta frase, que me foi dita pelo escritor Eckhart Tolle, ilustra um denominador comum que pude observar nas conversas que renderam a série de meu livro Palavras de Poder: se depender de alguns dos maiores nomes do autoconhecimento no mundo, o onipresente clichê em matéria de amor – a frase "E viveram felizes para sempre" – deveria ganhar o acréscimo de uma palavra: consciência. Pois é justamente a consciência que, segundo esses mestres, nos permite viver o amor nas suas três dimensões essenciais.

A primeira dimensão do amor (tão esquecida quanto mal interpretada) é esta: amar a si mesmo. Ao contrário de qualquer desvio narcisista – como tem sido a tônica nesses tempos de selfies e afins –, o amor a si mesmo seria o alicerce fundamental de tudo em nossa vida. Como me disse o xamã Don Miguel Ruiz: "Se você se comportar como mel, as abelhas virão até você e o tratarão como uma flor. Mas, caso acredite que é esterco e se comporte dessa forma, só as moscas virão até você". A relação que temos com o nosso próprio ser é que vai definir a qualidade dos relacionamentos que vamos atrair.

O que já nos leva para a segunda dimensão do amor: a relação a dois. E aqui não tem Hollywood que salve; deixando todo o romantismo de lado, a visão das mais variadas tradições e linhas terapêuticas é unânime: o relacionamento afetivo é uma das escolas mais exigentes que existe. É um teste poderoso para avaliar se estamos aprendendo a lição que, em essência, nos trouxe aqui: aprender a amar. Como resumiu o psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa numa sacada genial: "Quem não se envolve não se desenvolve". É através do encontro amoroso que temos a oportunidade de transcender o nosso pequeno eu pessoal e nos doar ao outro. Um aprendizado que, em seguida, nos faz transcender a própria esfera da relação a dois, dirigindo o nosso amor a todos os seres. É quando começamos a ter uma percepção da própria experiência de comunhão com o todo.

E entramos, então, no terreno da terceira dimensão amorosa: o amor por tudo o que nos cerca. Nós só amamos de verdade quando, indo além de nós mesmos, o nosso amor inclui o amor às pessoas, às plantas, aos animais e a todas as outras formas de vida. Nesse sentido, uma definição para o amor seria esta: amor é a consciência em ação. É compreender que, em última instância, a ligação que temos com cada pessoa e cada ser vivo é o próprio elo que nos une a Deus. A partir dessa consciência, não precisamos mais nem falar sobre o amor, pois ele já é uma manifestação viva em nossa vida. E daí, sim, podemos concluir nossa história com um sonoro e legítimo: "E viveram felizes – e conscientes – para sempre".

Vai lá: www.palavrasdepoder.com.br


As várias faces da experiência amorosa

 

Rubem Alves
"Amamos não a pessoa que fala bonito, mas a pessoa que escuta bonito.O aprendizado do ouvir é uma das coisas mais importantes para o aprendizado do amor. Como é que eu posso conhecer a intimidade do outro, a verdade de quem ele é, se não paro de tagarelar? O ato de ouvir exige humildade, implica admitir que o outro tem coisas novas para me mostrar."

Frei Betto
"Deus é amor. Mais importante do que ter fé, frequentar templos, é amar. Como disse o apóstolo Paulo: ‘Ainda que eu tivesse fé capaz de transportar montanhas, se não tivesse o amor isso de nada me serviria’. Nesse sentido, mais vale um ateu que ama do que um crente que odeia e discrimina. O amor é a raiz e o fruto de toda verdadeira religião."

Monja Coen
"A experiência vivida por todos os grandes místicos é a consciência da não separação, de que estamos todos interligados. Quando se percebe isso, nossa capacidade de relacionamento muda na hora. É importante que cada ação nossa seja uma ação amorosa, que transforme a realidade."

Ian Mecler
"Mais do que posses ou títulos, o tempo que passamos numa convivência de amor é que dá sentido à existência. Por exemplo, num leito de morte, você nunca ouve a pessoa dizer: ‘Ah, que pena que não comprei aquele carro novo’. Ouve-se algo como: ‘Que pena ter brigado tanto com minha família, que não perdoei meu amigo’. Isso é algo de que não podemos nos esquecer: de aproveitar cada chance para sermos mais amorosos."

Claudio Naranjo
"Todas as grandes tradições consideram um sinal de amadurecimento espiritual o fato de você ser solidário, de conectar-se com aquilo que vai além de sua própria personalidade, de interessar-se pelo bem comum. Um potencial amoroso que inclui a própria natureza e todo o universo que nos cerca."

Dom Laurence Freeman
"A verdadeira natureza do amor é a atenção. Nós amamos aquilo a que prestamos atenção, e nós prestamos atenção àquilo que amamos."

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