por Carol Sganzerla

Depois da tragédia em Brumadinho, Inhotim ganha megainstalação, inaugura seu maior jardim botânico e anuncia festa de réveillon junto ao Festival Meca

Uma série de obras inéditas marcam as inaugurações do Inhotim em 2019 e convidam o público a voltar (ou a conhecer) o maior museu a céu aberto do mundo, em Brumadinho (MG), dez meses depois do rompimento da barragem de detritos da mineradora Vale, na região. Nos meses que seguiram à tragédia, a visitação chegou a cair 40%, mas Inhotim segue como um lugar único por unir um dos maiores acervos de arte contemporânea do mundo a um extenso jardim botânico com espécies raras.  

Com o céu cinza, tomado por nuvens carregadas, chegamos de carrinho elétrico ao ponto mais alto do instituto, em uma área antes restrita ao público e que acaba de ser aberta para abrigar a maior obra já construída do nonagenário artista norte-americano Robert Irwin, conhecido por seus site specifics imersivos.

LEIA TAMBÉM: Bernando Paz transformou sua propriedade particular no Inhotim, o maior museu a céu aberto do mundo

Trata-se de uma instalação permanente de 6 metros de altura e 14 diâmetro, onde oito paredes de concreto inclinadas formam uma estrutura octogonal e convidam a imergir na obra. No topo de cada parede, um vidro triangular amarelo pinta o espaço e as pessoas, de acordo com a luz do sol, criando uma experiência multissensorial. “Um dos princípios dessa obra é trazer a luz do sol para o espaço e cada elemento se transforma dependendo de como você a percebe. Tudo vai influenciar o que você sente aqui”, explica o curador e diretor artístico do instituto, Allan Schwartzman. “É preciso voltar várias vezes nesta obra porque a luz sempre muda.”

O tempo nublado e tempestade que se anuncia, porém, não tiram o encanto do momento. Além da instalação grandiosa, o entorno, com vista para as montanhas da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), vale cada segundo que se permanece ali.

Lá do alto, também se vê uma das obras mais conhecidas do Inhotim, a Sonic Pavilion, de Doug Aitken, que permite ouvir o som da terra por meio de microfones instalados a uma profundidade de 200 metros no solo. A chuva cai encharcando o bloco de anotações e dissolvendo a expectativa de ver o efeito da obra de Robert Irwin acontecer. Mas em Inhotim não tem tempo ruim.

Seguimos para a Galeria Claudia Andujar, aberta em 2015 com mais de 400 fotografias da artista sueca radicada no Brasil, produzidas entre 1970 e 2010. A arquitetura do prédio de tijolos aparentes já é uma atração à parte e agora o espaço ganhou um novo desfecho para a visitação: a videoinstalação Yano-a, da dupla de artistas Gisela Motta e Leandro Lima.

LEIA TAMBÉM: Um dos maiores nomes da fotografia no Brasil, Claudia Andujar registrou o cotidiano dos Yanomami na década de 70 e engajou-se na luta pela sobrevivência desse povo

Utilizando a fotografia Wakata-ú, produzida por Andujar em 1976, que mostra uma maloca Yanomami incendiada, e com o auxílio de projeções, filtro, água e um micro ventilador, o fogo se movimenta na tela como se a maloca estivesse continuamente em chamas. Localizada em uma sala escura, é hipnotizante olhar aquele vaivém das chamas, que remonta às questões indígenas atuais que a fotógrafa e ativista já apontava décadas atrás.

Restauro
Três instalações icônicas também acabam de ser reabertas, depois de passar por um importante processo de restauração: True Rouge, do artista brasileiro Tunga, De Lama Lâmina, do norte-americano Matthew Barney, e Narcissus garden Inhotim, da japonesa Yayoi Kusama, que ganhará um pavilhão dedicado às suas obras em 2020. 

Na Galeria Mata, uma das quatro temporárias, a exposição coletiva Visão Geral,  em cartaz até julho do ano que vem, reúne obras de seis artistas brasileiros que têm Robert Irwin como referência, entre eles, Laura Vinci, Sara Ramo e Iran do Espírito Santo – todas elas passam pela ressignificação de objetos do cotidiano. No caso de Máquina do Tempo, de Laura, ela utiliza uma esteira de transporte de material, como minério e alimentos. “A artista recria essa esteira numa disfunção. Em vez de ser ágil, ela transporta grão a grão das 15 toneladas de pó de mármore, um material símbolo da escultura clássica. É um relógio contra o tempo, uma ampulheta, que não tem função. É a desconstrução da ideia de uma máquina”, explica o curador associado Douglas de Freitas.

Em Inhotim, um convite à contemplação, não combina a ideia de correr contra o tempo, mas a sensação de querer ver tudo e não perder nada permeia a visita, que termina com um passeio pelo novo e maior jardim do instituto, o Sombra e Água Fresca. Com 32 mil metros quadrados (equivalente à área de quatro campos de futebol e meio), traz 700 espécies de plantas nativas, como o pau-brasil e a pitangueira.

LEIA TAMBÉM: Niéde Guidon, responsável por resgatar do abismo um dos mais importantes sítios arqueológicos do mundo, está (de novo) prestes a largar tudo 

Mas não saia do Inhotim sem uma parada no restaurante Tamboril, comandado pela chef mineira Daílde Marinho, que trabalha para o empresário e fundador do museu, Bernardo Paz, há 25 anos, muito antes até da abertura oficial do instituto, em 2006. Porco assado, farofa de alecrim, feijão tropeiro, arroz de coco, camarão na moranga, ceviche, pera ao molho de maracujá e pernil de cordeiro são algumas das receitas que te fazem dar a volta no país em um mesmo prato. 

Em meio a tantas inaugurações, mais uma novidade: pela primeira vez o instituto vai realizar, em parceria com o Festival Meca, três dias de festa de ano-novo (28, 29 e 31/12), com shows já confirmados de Marina Lima, Luedji Luna e o bloco Tarado ni Você. Que venha 2020.

 *A jornalista viajou a convite do Instituto Inhotim

Créditos

Imagem principal: William Gomes/Divulgação

fechar