ILHA DOS CARAS
Por Redação
em 21 de setembro de 2005
Retornar de uma viagem longa é uma experiência intensa para dizer o mínimo. Muito mais que o aspecto físico, (o estresss gerado por horas e horas dentro de um charuto voando a 20.000 pés de altura, onde espaço e ar são mercadoria rara), a cabeça e o espírito são as maiores vítimas.
Um período onde o passado é deixado para trás e os estímulos sensoriais vêm de todos os lados e com todas as cores e graus de intensidade, é sucedido pelo encontro duro e seco com a curva Tamborello da realidade, o famoso dia-a dia.
Há quem fique deprimido, há quem não durma, outros que preferem compor um blues enquanto encaram de frente a pilha de Vejas e Vejinhas acumuladas sob a porta da frente, cheias de fatos e fotos que perderam o pouco conteúdo que tinham com o passar das semanas. As contas a pagar, as obrigações de trabalho, gente medíocre excedendo sua mediocridade por onde quer que você olhe.
O bom da história é que, em geral, esse quase desespero se afasta, antes mesmo que se consiga folhear a terceira Veja. O milagre é fruto da percepção de que se está novamente no arquipélago de segurança e serenidade que costumam chamar de lar, pedaço, terreno, área, dependendo da idade e estilo do recém-chegado.
Explicando melhor: a lei da física que afirma que tudo tende ao caos e à auto-destruição grita na sua cara, cada dia mais alto. E o grito aumenta de volume a cada passo dado pela tecnologia e pela ciência, se tiver alguma dúvida, é só olhar para os níveis de poluição registrados em São Paulo nas últimos semanas, ou no clima com frios e calores se alternando numa autêntica menopausa meteorológica.
‘A vida moderna’, com todo ridículo que a expressão carrega, leva cada dia mais rápido à desintegração física, mental e espiritual do indivíduo. Em vez de tentar provar a tese, enumerando centenas de argumentos, parece ser muito mais interessante observar de que forma a inteligência humana tem procurado saídas para a encruzilhada. A reação natural do animal diante dos ataques de toda ordem que sofre a partir do momento em que tira a cara da toca é de formar com seu raciocínio, criatividade e, lógico, com seu corpo e suas capacidades físicas, o maior número possível de ilhas de segurança. Tem sido assim desde as cavernas, elas próprias, as mais perfeitas traduções do abrigo seguro e quente. O curioso é que antigamente achávamos que o tempo e a tecnologia tornariam as ilhas (das cavernas às famílias) cada vez menos importantes. Tem sido ao contrário. Em todas as enquetes e pesquisas que produzimos na TRIP, com gente de todas as idades, é fácil e rápido constatar que as cavernas só mudaram de aspectos mas são e continuarão sendo perseguidas vorazmente por todos.
Entre os jovens, por exemplo, qualquer pesquisa que se ponha a inquirir sobre as aspirações diante da vida, invariavelmente veremos sucesso profissional, social e principalmente financeiro liderando o ranking. O que está por trás disso, muito mais que realização pessoal, é a ânsia de conseguir meios materiais para ter uma casa (a mais óbvia e sólida das ilhas de segurança e estabilidade), um carro seguro e confortável (extensão móvel e blindada da casa, que cada vez mais se parece com ele, com sofá, CD player, tapetes, telefone, ar condicionado, etc…)
Não por acaso, em segundo lugar, nas tais pesquisas aparece a ilha afetiva, nas geografias mais variadas. Um momento perfeito, um marido como meu pai ou uma mulher como minha mãe, que dê carinho, alimento, proteção diante das porradas, ofensas, agressões, destruição, inveja, opressão das mais variadas formas que encontro da porta para fora.
Em terceiro lugar costuma vir a saúde. Na verdade não saúde, mas a beleza física, nada mais que um meio de alta eficiência para conseguir as mesmas ilhas descritas acima. Nenhum homem é uma ilha. São várias.
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