Especial 32 anos de Trip: Sono

por Redação
Trip #278

Selecionamos as imagens, reportagens e personagens que refletem nossa visão sobre o sono, a forma como descansamos e como despertamos

Neste ano, em que celebramos o 32º aniversário da Trip, decidimos selecionar imagens, ideias, reportagens e personagens que, ao longo dessas décadas, traduzem com graça nossos temas de interesse e nos ajudam a clarear o olhar da revista para o mundo.

São 12 os pilares que fundamentam nosso projeto editorial: Corpo, Alimentação, Trabalho, Sono, Teto, Saber, Liberdade, Biosfera, Conexão, Diversidade, Acolhimento e Desprendimento. Foi um mergulho prazeroso e profundo em nossa história.

Todo este conteúdo foi acrescido de informações e novas entrevistas com personagens que protagonizaram passagens importantes da trajetória da Trip. Seguimos sempre em frente.

2006

#146 | tema: por que o brasil não acorda?

Just a dreamer

Texto Ronaldo Bressane | Foto Eduardo Maia | Ilustração Sérgio Cury

“O sonho é uma simulação do futuro. Sempre que tenho uma situa-ção de pressão, presto atenção aos sonhos e tenho boas respostas.” O parágrafo saiu da boca de um dos mais importantes neurocientistas do mundo, Sidarta Ribeiro. Ao lado de Miguel Nicolelis e Claudio Mello, figurinhas carimbadas em respeitadas revistas científicas como Nature, o brasileiro teve a onírica ideia de criar um instituto de neurobiologia... no Brasil. Assim nasceu o Instituto Internacional de Neurociência de Natal, com grandes ambições. Exemplo: saber como funciona o cérebro durante o sonho lúcido. 

Trip. Em seu celebrado artigo na Plos Biology, você afirma que o sono está para a memória como a digestão para o alimento. Quem dorme mais aprende mais?

Sidarta Ribeiro. Sem dúvida. Quanto melhor a qualidade do sono, melhor a memória. Durante o sono surgem ideias importantes do dia a dia. Minha pesquisa acontece na confluência entre sonho, sono, memória e aprendizagem. Entre os integrantes da tribo Senoi, na Malásia, havia o costume de todo dia as crianças relatarem seus sonhos para os pais, que lhes davam conselhos, pois o controle do sonho seria muito importante para a pessoa e a coletividade.

Há pessoas que se lembram de seus sonhos com exatidão e outras que mal se lembram da última vez que sonharam. Como se explica? Todos os adultos têm sono REM [de “rapid eye movement”, estágio do sono em que ocorrem os sonhos] e, se você acordar alguém durante esse sono, ele vai dizer o que estava sonhando. Lembrar-se do sonho é outra história. Sugiro que todos mantenham um diário de sonhos, o sonhário. Na primeira manhã, você lembra só de uma frase. Se faz uma autossugestão antes de dormir, em duas semanas sai de uma frase para muitas páginas. Tem que criar condições para que a memória se forme, para reter a experiência.

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E agora?

Sidarta deixou o Instituto Internacional de Neurociência de Natal para a criação do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em 2011. Ele faz uma balanço dos últimos 12 anos: “Fizemos descobertas científicas importantes e sobrevivemos (até aqui) ao desmonte impiedoso da estrutura brasileira de ciência e tecnologia”, conta. Entre as principais descobertas, ele destaca a demonstração da eficácia da soneca pós-aprendizado para aumentar o desempenho escolar de jovens de baixa renda. Sidarta passou a exercer neste ano o cargo de coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas. “Tenho atuado com muita energia antiproibicionista no debate público sobre drogas.” Publicou um livro híbrido de divulgação científica e crônicas, Limiar, teve dois filhos e segue “firmíssimo” dando aulas de capoeira (é corda roxa). 

2007

#156 | tema: durma com um barulho desses

Dormindo na guerra

Por Marcos Dávila | Colaborou Renata Cons

Mangueira. Dia claro. O garoto Israel, 13 anos, está saindo da igreja com seu pai. Dá de cara com o caveirão, apelido do carro blindado usado pelo Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro). Os moradores da comunidade começam a fugir, mas Israel está paralisado de terror, sozinho no meio da rua. Um dos policiais ordena que ele pegue uma mochila abandonada no chão durante o corre-corre. A bolsa está cheia de armas, drogas e ouro. Liberado pela tropa, Israel tem outro encontro indesejado no caminho para casa: os donos da mochila. Sem pensar, ele sai correndo dos bandidos pela favela e consegue chegar até a casa da tia. Ele chega avisando: “Se perguntarem se alguém me viu, fala que tu nem me conhece, fala que tu chegou aqui agora”. Está chegando a sua hora. A hora de despertar. “Acordei traumatizado”, fala Israel, que recorda cada detalhe do sonho com vivacidade.

A Trip subiu o morro e ouviu crianças que, como Israel, vivem em favelas com risco constante de fogo cruzado, para ver como elas dormem. Com canetinha e giz de cera, elas desenharam seus sonhos. Os piores pesadelos competem com a realidade crua do dia a dia nos morros do Rio.

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E agora?

Entre fevereiro, quando foi decretada a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, e julho de 2018, mais de 5 mil tiroteios foram registrados na região metropolitana da capital carioca, número 61% superior ao do mesmo período do ano passado, segundo o laboratório de dados Fogo Cruzado. Em janeiro, no Morro da Mangueira, uma troca de tiros envolvendo agentes do Bope deixou quatro pessoas mortas em uma operação parecida com o pesadelo de Israel.

2006

#167 | tema: sono

são paulo by night

Texto Décio Galina | Fotos Peetsa

Só existe uma coisa pior do que não ter nada e dormir ao relento: fazer isso em uma cidade que prefere não enxergar seus excluídos. Para tentar entender como vivem esses “homens invisíveis”, nosso repórter encarou o desafio de dormir nas ruas geladas de São Paulo. “Às 4 da manhã, não tem jeito: os ossos congelam. Tentei puxar um soninho num estrado largado em frente ao restaurante Spot, perto da avenida Paulista, mas não deu tempo nem de engatar o primeiro sonho: logo apareceu um segurança me expulsando do local. Fui parar num banco sem encosto na agradável rua das Flores, a travessa de pedestre ao lado do Banco Real. Fiquei ali, estirado, até morrer de frio e de fome. Esses dois ingredientes misturados com sono formam um estado de esmorecimento que dificulta qualquer tipo de reação. Senti na pele o que é não ter casa para voltar, albergue para dormir ou dinheiro para calar o ronco do estômago.”

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E agora?

O número de desabrigados está crescendo em São Paulo. Em 2000, a cidade somava 8.706 moradores de rua de acordo com pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Os dados mais atuais, de 2015, registraram que 15.905 pessoas pernoitavam na rua ou em albergues da capital.

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