por Ricardo Calil

Filme sobre cozinheiro nordestino põe tempero nas velhas relações entre sexo, comida e poder

O trinômio sexo, comida e poder já deu origem aos filmes mais radicais – como A Comilança, de Marco Ferreri, e O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante, de Peter Greenaway – e também aos mais inofensivos – como Sabor da paixão, Chocolate e outras besteiras românticas.

Estômago, primeiro longa-metragem de Marcos Jorge, vem acrescentar um elemento novo a essa lista: uma reflexão sobre preconceito e luta de classes à brasileira.

Com estréia marcada para 11 de abril, essa co-produção Brasil-Itália fecha seu foco em Raimundo Nonato (João Miguel), ingênuo migrante nordestino que chega à cidade grande com uma mão na frente e outra atrás e consegue ascender socialmente graças a um talento natural para a culinária.

Estômago intercala duas tramas protagonizadas por Nonato.

Em uma delas, é mostrado em sua escalada pelo mundo gastronômico. Primeiro, ele vira faxineiro e depois cozinheiro em um pé-sujo, trabalhando em regime de semi-escravidão. Em pouco tempo, chama a atenção do dono de um restaurante chique e vira assistente de chef. Também conquista a glutona prostituta Íria (Fabiula Nascimento), que não se incomoda de trocar uma boquinha por um boquete.

Na outra trama, Nonato é enfocado no universo carcerário, preso por um crime que só será revelado no fim do filme. Na prisão, ele também usa dotes de cozinheiro para subir na hierarquia do lugar. Primeiro, dorme no chão de sua cela. Mas, depois de conquistar os colegas pelo estômago, ele vai parar no beliche, logo abaixo do chefão local (Babu Santana). Em uma sociedade em que as pessoas devoram ou são devoradas, Nonato consegue encontrar um lugar à parte, que lhe permite transitar entre os dois grupos.

Embora às vezes mostre o personagem com um paternalismo condescendente (que beira o preconceito que supostamente tenta criticar), Estômago é uma fábula bem construída sobre as relações promíscuas entre prazer e poder. Mas o maior mérito do filme é a brilhante interpretação do ator baiano João Miguel (Cinema, aspirinas e urubus e O céu de Suely), que lembra os melhores momentos de grandes comediantes do passado, como o italiano Totò ou o brasileiro Oscarito.

LEIA TAMBÉM: Entrevista com o Diretor Marcos Jorge

fechar