“Saquarema, porra!”

por Pedro Carvalho

A etapa brasileira da WSL 2018 consagrou Filipe Toledo e Stephanie Gilmore, que atropelaram seus adversários, além da cidade fluminense, o “Maracanã do surf”

Saquarema foi Saquarema durante a última semana. Altas ondas, água verde, tubos largos e a areia lotada de moçada jovem, mate com limão e biscoito Globo. Uma semana de outono clássica na praia fluminense: sol de ponta a ponta e uma ondulação poderosa atrás da outra. “Saquarema foi o nosso Havaí nesses últimos dias”, afirmou o experiente fotógrafo Sebastian Rojas, em conversa com a Trip durante a final do Oi Rio Pro. Nas baterias da etapa brasileira da World Surf League (WSL), o ubatubense Filipe Toledo se sagrou o campeão da categoria masculina, a australiana Stephanie Gilmore faturou a feminina, mas talvez a grande estrela do campeonato tenha sido ela: Saquarema, o “Maracanã do surf”.

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Filipe abriu o último dia de competição dando um susto na torcida. Faltavam 3 minutos para a primeira quarta-de-final e o brasileiro não tinha aparecido no mar. Em cima da hora, ele saiu apressado da área de competidores, correu para a água e ainda varava a arrebentação quando a buzina soou, às 8h05. “Estratégia”, disse o locutor da WSL. Depois, ele se mostrou frio e calculista contra Kolohe Andino: pegou só três ondas, fez duas notas altas (7.67 e 6.17) e foi o único brasileiro a passar para as semifinais. Nos outros duelos da manhã, com o vento apertando e a maré subindo, seus compatriotas não se encontraram em Saquarema: Gabriel Medina, Yago Dora e Michael Rodrigues foram presa fácil.

Na fase seguinte, Filipinho pegou uma pedreira: o australiano Julian Wilson, atual líder do ranking 2018. Se Julian chegava à semifinal vestindo a lycra amarela (usada sempre por quem está na ponta), Filipinho tinha nas credenciais a única nota 10 do evento, conquistada com um aéreo full rotation nas primeiras fases da disputa. Dentro da água, o brasileiro simplesmente passou um trator sobre o adversário. Abriu a bateria emendando um tubo em um aéreo para marcar um 8.67. Achou outros bons tubos nas ondas seguintes e arrematou a bateria com um passeio: 16.37 pontos contra 5.63 do seu oponente, o que garantia o Brasil na final.

A redenção de Filipinho

Sob o sol de Saquarema, a galera gritava e aplaudia cada manobra de Filipinho. Ele não era somente o brasileiro que ainda poderia levar o título, mas também carregava uma história comovente para a final do campeonato. No ano passado, o surfista acabou eliminado após os árbitros julgarem que ele atrapalhou seu adversário na disputa de uma onda. Filipinho saiu da água reclamando e acabou punido pela WSL. Em 2018, voltou à praia fluminense com um bom incentivo para dar o troco: na quarta-feira, o atleta de 23 anos se tornou pai pela segunda vez.

O ubatubense encarou o australiano Wade Charmichel, estreante do circuito, na bateria final. Filipinho, outra vez, arrepiou. Logo de cara, saiu de um tubo que parecia impossível e recebeu um 9.93 dos juízes, a maior nota do dia. Daí para frente, ele dominou a bateria com facilidade, para enfim sair da água nos braços de um público extasiado que com razão gritava “o campeão voltou” (Filipinho venceu a etapa carioca em 2015, na Barra da Tijuca).

A sexta-feira apenas coroava uma semana de gala em Saquarema. Na segunda e na terça, com o mar ligado em potência máxima, as primeiras fases do Oi Rio Pro masculino rolaram na Barrinha, o canto sul da praia de Itaúna. Foram dias de disputas memoráveis. Quem estava na areia não vai se esquecer da onda mágica surfada por Ian Gouveia, um tubo gigante de backside finalizado com uma batida em uma junção imensa de duas ondas. Nem do show de tubos do americano Sebastien Ziets, que passeou muito à vontade por dentro dos canudos intensos da Barrinha.

Australiana arrebatadora

Na quarta, as ondas baixaram um pouco e a organização decidiu fazer as últimas baterias da disputa feminina. A competição se moveu para o canto norte da praia, a laje de Itaúna. Em séries que atingiam 1.5 m, uma lenda viva do surf roubou o coração da torcida brasileira: a australiana Stephanie Gilmore, seis vezes campeã mundial, dona das mais altas láureas esportivas, mulher mais bem paga do esporte australiano ao longo de vários anos. Em seu estilo fluido e preciso, Steph venceu a final contra a californiana Lakey Peterson e ampliou sua liderança no ranking 2018. Assim ela acelera o passo rumo ao sétimo título e à consolidação de seu nome como maior atleta da história do surf feminino.

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Na cobertura que fez em tempo real pelo Instagram (@revistatrip), a Trip conversou com diferentes tipos de espectadores do campeonato em Saquarema. De big riders como Carlos Burle e Pedro Calado a surfistas locais como Saulo de Souza, de lendas do esporte como Teco Padaratz e Rico de Souza à CEO da WSL, Sophie Goldschmidt - o que mais se ouvia eram elogios à qualidade das ondas de Saquarema. A parte isso, a simpatia das pessoas, a boa comida e a tranquilidade do lugar (a praia de Itaúna durante o WSL é mais calma que Maresias num fim de semana normal de verão) deixaram uma ótima lembrança em quem passou a semana por aqui.

O Oi Rio Pro teve todos os componentes que a WSL esperava de uma etapa cinco estrelas do tour. Teve ótimas ondas por vários dias seguidos, permitindo que todas as fases fossem disputadas em alto nível. Teve aquela empolgação da torcida que o carioca sabe expressar como ninguém, uma marca das provas disputadas no Brasil. Teve o céu azul royal do outono. Ao terminar, deixa a sensação de que o destino brasileiro da WSL – que se alternou entre Florianópolis, Imbituba e Barra da Tijuca nos últimos anos – não será outro senão Saquarema por um tempo. Ou, dito de outro jeito: “Saquarema, porra!”, como gritava a torcida a cada onda esverdeada que explodia, maior e maior, na grande arena do surf brasileiro.

Créditos

Imagem principal: © WSL/Poullenot/Divulgação

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