Por mais racionais que nós pensemos que somos, continuamos a acreditar nos rituais. Achamos que o primeiro dia de janeiro é totalmente diferente do último de dezembro

Festas e celebrações são tão antigas quanto as mais antigas sociedades humanas. As duas principais modalidades eram as que agradeciam pelo que passou e as que rogavam pelo que estava por vir. Nas do primeiro tipo, celebravam-se colheitas, nascimentos, casamentos, vitórias militares. Nas do segundo, torcia-se: para que a colheita fosse boa, para que houvesse sucesso na batalha... De sociedade para sociedade, e ao longo do tempo, sempre houve uma grande diversidade de como agradecer e pedir, e algum tipo de sacrifício tem sido prática frequente: pode-se tirar a vida de algum animal (galinha, cordeiro); pode-se estourar os joelhos escalando as escadarias das velhas igrejas; ou mesmo fazer uso de um ser humano menos afortunado, como na sociedade maia, em que se arrancava, ainda batendo, o coração do sacrificado. Em muitas delas, o aspecto cíclico era essencial: chegada da primavera, início do plantio, fim da colheita.

O curioso é que, por mais modernos e racionais que nós pensemos que somos, continuamos, como os nossos mais distantes antepassados, a acreditar piamente nos rituais das festas cíclicas, tanto nas que olham mais para trás quanto nas que olham mais para a frente. Achamos que o primeiro dia de janeiro é totalmente diferente do último de dezembro, e acreditamos que pular sete ondinhas vai fazer alguma diferença. Até dizemos que tudo isso é besteira, mas, de uma forma ou de outra, seguimos acreditando e repetindo, ano após ano, os mesmos rituais. E, sim, se você quer mesmo saber, é a aproximação do fim deste ano de 2015 que me faz pensar nessas coisas.

 

TRANCOS E BARRANCOS

Eu não sei para você, mas para mim este ano foi complicadíssimo. Houve coisas boas, claro. Minha filha está se formando em direito e meu filho passou no vestibular para medicina. Publiquei dois livros. Todos os que são próximos (incluindo a gata, Caju, e as cachorrinhas, Maria Antonieta e Maia) estão bem de saúde. Enfim, olhando assim, até daria para perguntar: reclamar do quê? Disto: de, a essa altura do campeonato, eu voltar a ter insônia com angústias e preocupações materiais. De ver pessoas próximas, em número cada vez maior, perdendo o emprego. De testemunhar, em Minas Gerais, o cruel assassinato do rio Doce. De sentir que o país e o mundo parecem voltar no tempo. De notar que a intolerância, em suas infinitas variedades, cresce de forma vertiginosa. E, finalmente, de concluir que quase todos os políticos (de alto a baixo, de norte a sul, da esquerda à direita) são nulidades absolutamente aquém do que seria requerido para enfrentar os desafios que estão, não apenas batendo, mas arrombando a nossa porta.

Pois é. Eis que chegamos, aos trancos e barrancos, ao fim do ano. E agora, vamos fazer o quê? Festejar e celebrar? Agradecer pelo que passou ou priorizar as preces pelo que está por vir? Acho melhor a gente agradecer rapidinho e tratar logo de pensar no ano que está chegando, porque o futuro próximo está parecendo bem mais assustador do que o passado recente. Eu sinto que a coisa está tão feia que até arrancar coração de maia vivo seria pouco sacrifício para assegurar algum resultado (até porque, para os maias, essa prática não garantiu muita coisa, mas isso é outra história). Por outro lado, é óbvio que pular sete ondinhas não vai adiantar nada. Talvez devamos nos inspirar novamente em nossos antepassados e, mesmo diante dos eventos mais sombrios, jamais deixar de festejar, agradecendo pelo que passou e tendo fé no que está por vir. Que seja. Assim, ainda que um pouco ressabiado, termino a última coluna do ano desejando a você, e a todos nós, um feliz 2016.

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