Dezoito anos depois

por J.R.Duran

Nunca fui surfista, nem esportista, nunca pisei em Bali e nunca pulei de asa-delta, mas algumas coisas na TRIP me atraíram desde o início: a liberdade e a vontade de enxergar bem além do próprio nariz

Desconfio que 18 anos atrás estava pronto para me transformar quase em um cretino. Não posso jurar, mas quando olho por cima do ombro, em direção ao que ficou para trás, vejo a imagem de alguém que fez sucesso cedo demais na carreira e que não sabia lidar com o ego. Alguém que não me agrada nem um pouco. Não vou entrar em detalhes, mas devo confessar que sinto um certo desconforto em recordar o passado.

Talvez não fosse um cretino acabado, completo, mas alguns sinais de que estava pronto para receber a carteirinha da instituição eram bem evidentes. O que me salvou foi a profissão. Claro que nada me garante que daqui a 18 anos, quando eventualmente tiver de olhar para trás, não tenha vontade de escrever, novamente, um texto com um começo igual a esse de hoje.

Mas, enfim, esse mea-culpa fora de hora, que não interessa a ninguém, é para servir de introdução a uma das poucas coisas que não faz a minha memória se estremecer e que, ao contrário, me satisfaz.

Faz 18 anos que sou colaborador da TRIP. A primeira TRIP Girl? Eu estava lá. A primeira capa em cores com uma fusão de uma outra imagem? Eu estava lá. Lembro que era uma onda e que o Rafic Farah, não sei como, conseguiu fazer. Não sou do núcleo de autênticos que aparece na foto histórica em volta de um Paulo Lima pensativo, na casa de alguém, vendo e reverenciando os primeiros layouts da revista espalhados pelo chão. Sou de um outro tipo, um pouco mais raro, que logo que viu o primeiro número, pronto em alguma banca, foi atrás da revista querendo trabalhar para eles.

Eu não era surfista, nem esportista, nunca tinha ido para Bali e nunca tinha pulado de asa-delta (continuo assim até hoje, algumas coisas não mudam). Na época, o meu estúdio em São Paulo funcionava a toda, e os cachês da TRIP eram irrisórios. Mas alguma coisa na revista me atraiu. Senti que existia na TRIP uma liberdade e uma vontade de enxergar além da ponta do dedo (vontade essa que também está naquele ditado que algum publicitário chinês inventou: "Tolo aquele que aponta para a Lua e olha para o dedo"). E, acreditem, naquela época era uma coisa rara encontrar pessoas que soubessem para onde queriam ir. Muitos ficaram na estrada olhando para a ponta do dedo.

As reentrâncias e saliências da vida nos separaram. Passei alguns anos em Nova York. Mas, quando voltei a morar no Brasil, a TRIP continuava igual. E o que era uma simples revista tinha se convertido em uma escola de pensamento. O que prova que a coerência, seja editorial, seja o que for, paga seus frutos com juros e correção.

A Trip Editora, hoje, edita revistas para coisas tão díspares como a Daslu e o Pão de Açúcar, Mitsubishi e Coelho da Fonseca. Moda, alimentação, carros e edifícios. Tudo sob a ótica de Paulo Lima, um surfista que, desde cedo, acreditou nas pessoas e nas suas idéias. Mudou o Natal ou mudamos nós. Porque a TRIP não mudou.

Créditos

Imagem principal: Aaron Chang

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