Quantos mortais estarão nesse momento experimentando o mais amargo dos gostos da desilusão amorosa?
Que macabra porcentagem dos bilhões de almas vivas que pululam neste planeta, estaria neste exato momento flagrando a pessoa amada nos braços de um terceiro interessado?
Quantas mãos suando frio estarão agora, furtivamente remexendo bolsas e agendas a procura da prova cabal da certeza que lhes espeta a alma?
O sofrimento do traído pode ser com a maior tranquilidade, desesperado ou exagerado pelas feridas mais fundas. Alguém já disse que é impossível medir ou mesmo comparar sofrimentos humanos, que alguém que padeça de uma unha encravada pode, em tese, sofrer mais que o órfão que perde a mãe em um acidente.
Por mais subjetivas que sejam as medidas das dores da alma, há quem não viveu, não sentiu a queda livre abissal provocada pela rejeição no amor. Da primeira vez em que fui submetido pelo mau da rejeição, achei que alguns dias na praia dariam cabo do problema. Surpresa.
A dor no coração fez até o mar e as ondas perfeitas perderem completamente a graça e o brilho. Há um paradoxo interessante. Se por um lado o vácuo interno provocado por um cartão vermelho no amor costuma ser um dos mais eficientes atalhos no processo de amadurecimento das pessoas, do outro é impossível conseguir através da inteligência e vivencia de uma experiência, adquirir anti-corpos que nos façam imunes aos terríveis sintomas.
Por mais que se experimente a situação, volta a mesma angústia, complexo de inferioridade, a vontade de fugir, se isolar, ficar na cama, largar o trabalho, cortar os pulsos e, depois de tudo, rezar.
Tutinha, o Boni da Jovem Pan, me disse recentemente uma frase que considero lapidar: 'Eu só lembro de Deus quando estou fodido. Quando tudo vai bem, nem penso no assunto. É só pintar uma dor de dente que eu viro frei franciscano'.
Sounds familiar, huh? Felizmente o motivo que me leva a abordar o assunto não é pessoal. Apesar de já ter arrastado corrente várias vezes nestas três décadas intensas, desta vez, como se diz na favela, a treta não é comigo. Na verdade, esta semana me defrontei três vezes com a tristeza causada pela separação.
Primeiro foi um amigo pra quem telefonei para dar um recado que, em condições normais, não exigiria mais de três minutos de conversa. O pobrezinho precisava falar e, por mais de 40 minutos, usou de todos os recursos de retórica para traduzir a pergunta que realmente queria fazer: 'Pelo amor de Deus, o que é que eu faço???'.
Mesmo sabendo quase sempre que não há respostas ou conselhos que sirvam para nada nestas situações, o desespero leva a apelar para qualquer coisa. Horóscopo de jornal, tarô, barman, terapia, correr uma maratona, ou o velho equívoco: viajar para esquecer o problema.
Na cadeira ao lado da que estou sentado, no avião que em algumas horas pousará na África do Sul, viaja outro dos meus amigos momentaneamente imersos no lodo da desilusão. Pegou a namorada com outro em beijos tão apaixonados que sua única reação foi fugir. O cara já bebeu quatro ou cinco uísques, tenta há horas falar bastante sobre o ocorrido, no afã de exorcizar o exú que infelizmente neste momento cravou as unhas no seu crânio como um gato angorá gordo tentando se segurar num sofá velho em dia de mudança.
Para fechar o ciclo, vamos, eu e ele, terminar esta viagem na Indonésia, onde vive há pelo menos quatro anos outra pobre vítima do flagelo amoroso. Fernando tomou um redondo, sonoro e seco pé na bunda de sua namorada depois de cinco anos de devoção total e vida em comum.
Como ser superior, que domina infinitamente mais suas emoções e que sabe o que quer (segurança, carinho, sexo, conforto, respeito e companheirismo) a garota levantou-se um belo dia e disse ao pobre Fernandinho: 'Você não serve mais'. O menino saiu quicando pelas tabelas como uma bola prateada de fliperama.
Andou pela América, Austrália e terminou na Indonésia onde até se casou mas, posso apostar, ainda guarda no fundo de alguma gaveta ou debaixo de alguma santa, a foto, bilhete ou algum resto do amor desligado como quem puxa o fio da parede e ignora o interruptor.
Numa das vezes em que me vi no mato sem cachorro, na mesma situação dos infelizes citados acima, recorri a um amigo mais velho, daqueles de quarenta e poucos, de quem se espera conselhos de Lair Ribeiro.
Levei quarenta minutos explicando porque o meu problema era o mais importante do hemisfério e porque aquela era definitivamente a mulher da minha vida. Fiquei chocado, quase com raiva quando, depois daquela exposição de motivos emocionados, recebi em troca uma gargalhada de prazer acompanhada da brilhante exclamação: 'Que ótimo, aproveite bem!'. Esperava que pelo menos o maldito propusesse um jantar ou um drink para que sua companhia trouxesse alguns minutos de paz a minha alma penada.
O maldito propôs uma ida ao shopping. Jamais esquecerei aquelas vitrines.