Aqui tem um mato poderoso, um rio doce e muita pitaya. Às vezes me pergunto: como estou no Brasil há dez anos e ainda não moro na praia ou na montanha?
Escrevo da Indonésia, de uma praia muito pequena com areia preta e vulcânica na Ilha de Bali. Vim dar um respiro, estou fazendo um retiro de ioga, é a primeira vez que faço algo do tipo. A professora é uma mulher hipnótica, uma encantadora de serpentes, uma bruxa que sabe ativar todo o corpo com a respiração. Ela está nos ensinando a respirar com as costas, com os dedos e até com os olhos.
São 38 mulheres e dois homens no grupo. Os homens são: Halvor, um alemão de 60 anos que mora no sul da Espanha e tem uma empresa que vende trecos da Índia em festivais de música, gringo com um par de olhos doces e azuis como o céu sem nuvens; e Trevor, um policial canadense fofo de 2 metros de altura, que acorda todo santo dia às 5 da manhã para praticar as paradas de mão dele. E tem as mulheres: a fazendeira de maconha de Seattle, a diretora de arte australiana, a contadora polonesa que faz pole dance, a advogada gata CDF de Los Angeles, a médica iraniana, a halterofilista escocesa, a professora de esqui alemã e a massagista finlandesa com olhar tão puro que o rosto parece um copo de água.
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Tem um mato poderoso aqui, um rio doce e um mar com ondas bravas. Tem muita pitaya também. Alguns cantos parecem tanto o litoral norte paulista, que quase dá saudade. Me perguntam muito como é o Brasil, como é São Paulo, como é uma cidade tão grande. Dezoito milhões é um número fora da imaginação de muitas pessoas. Sempre falo com um carinho muito grande, como se a cidade fosse a minha amante, alguém que me envolve com todas as suas fraquezas e os seus poderes. Falo do horizonte, do meu apartamento no centro, de onde dá para ver a Serra da Cantareira. Falo de como os feirantes gritam, da doçura do sotaque nordestino, do jeito que as mulheres andam na rua, dos botecos, dos motoboys, do jeito de tomar cerveja muito gelada no copinho americano, do Niemeyer, da crise política, da pobreza, da riqueza, dos Racionais, do Caetano Veloso e dos meus amigos.
Às vezes me pergunto: como estou no Brasil há dez anos e ainda não moro na praia, no mato ou na montanha? São Paulo é suja, poluída, precisamos limpar o rio, ter um transporte público decente, ter um planejamento urbano que não deixe a cidade inundada toda vez que chove.
Mas São Paulo também tem magia. É essa magia que nós respiramos todos os dias, por isso moramos aí, no tumulto, no trânsito e no êxtase dessa cidade amada.
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Imagem principal: Autumn Sonnichsen