por Ricardo Calil
Trip #202

Um macaco tem vida de rei em Palm Springs. Mas seria ele o verdadeiro chimpanzé do Tarzan?

O chimpanzé mais famoso do cinema curtia uma badalada aposentadoria em Palm Springs– até surgirem suspeitas de que ele não seria o macaco dos filmes de Tarzan. agora o mundo do showbiz se pergunta: será cheeta uma impostora?

No dia 9 de abril de 2007, a doutora Jane Goodall, considerada uma das principais primatologistas do mundo, gravou uma mensagem em vídeo para o chimpanzé Cheeta, famoso como ator dos filmes de Tarzan, por seu aniversário de 75 anos de idade. “Embora eu não saiba exatamente o quanto da linguagem dos chimpanzés selvagens você fala, eu sei que você entende este grito de saudação a distância: Uhu Uhu Uhu Uhu Uhu Uhu Uhu!”, declarou Goodall, emitindo gemidos guturais em volume crescente.

A renomada primatologista não foi a única a fazer papel de macaca de auditório nos últimos anos para Cheeta – que, na vida real, é um macho. Vivendo em uma fundação para primatas não humanos que trabalharam na indústria do entretenimento – uma espécie de retiro dos artistas para macacos – em Palm Springs, na Califórnia, Cheeta curte uma aposentadoria mais agitada do que a maioria dos ex-astros hollywoodianos de sua idade.

Décadas depois dos filmes originais de Tarzan, feitos nos anos 30 e 40, ela recebe visitas diárias de dezenas de turistas em sua casa, foi tema de inúmeras reportagens recentes, prepara o lançamento de um single com o cover da música “Convoy” e de um clipe cercado por belas mulheres de biquíni, e a campanha para lhe dar uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood foi apoiada por humanos célebres como Hillary Clinton.

Nas horas livres, Cheeta toca piano e pinta quadros (alguns já foram expostos na National Gallery de Londres), assiste ao Discovery Channel e lê a National Geographic e, de vez em quando, vai até o McDonald’s comer cheeseburguer, fritas e Coca-Cola acompanhando seu tratador Dan Westfall, que criou o Cheeta Primate Sanctuary especialmente para abrigá-la.

A história de Cheeta tem um detalhe ainda mais fantástico: ela seria não apenas o símio mais famoso do cinema (levando em conta que King Kong era apenas um boneco gigante), como também o chimpanzé mais velho do mundo. Enquanto a maioria dos espécimes da raça vive entre 40 e 50 anos, Cheeta estaria prestes a comemorar 80. É como se Charles Chaplin tivesse sobrevivido até os 150.

Mas a história provavelmente é fantástica demais para ser verdadeira: Cheeta pode ser uma impostora. A confusão começou quando foi anunciado que o chimpanzé lançaria o livro de memórias Me Cheeta. Mas Westfall não foi consultado a respeito – e, supõe-se, nem Cheeta. Tratava-se de uma autobiografia não autorizada, escrita por um ghost writer.

Contrariado, o tratador encomendou uma biografia real para o jornalista Richard Rosen, e este encontrou enormes incongruências na versão oficial da vida de Cheeta – contada por Tony Gentry, famoso tratador de animais que foi o primeiro dono do chimpanzé e que, ao morrer em 1991, deixou-o de herança para seu sobrinho Dan Westfall.

O TESTE DA ORELHA
Gentry contava que havia trazido Cheeta da Libéria, na África, ainda bebê, em um voo da Pan Am, em 1932. Entre 1934 e 1948, Cheeta teria feito 12 filmes de Tarzan ao lado de Johnny Weissmuller, o ex-nadador que foi o mais famoso intérprete do personagem. Depois, o chimpanzé ainda teria contracenado com Ronald Reagan em Bonzo no colégio (1951) e Rex Harrison em O fantástico doutor dolittle (1967), seu último trabalho no cinema.

Mas Rosen encontrou vários furos na história de Gentry: os voos intercontinentais da Pan Am só começaram em 1939; os símios que aparecem em Bonzo e Doutor Dolittle são filhotes, e Cheeta já seria um adulto na época do lançamento; e, mais importante, vários chimpanzés atuaram na série Tarzan, e nenhum deles era parecido com o macaco de Gentry. Para chegar a essa conclusão, o aplicado Rosen alugou todos os DVDs de Tarzan, congelou as imagens dos macacos dos filmes e comparou suas orelhas com as da suposta Cheeta – já que essa é a parte do corpo de um chimpanzé que menos muda com o tempo. Nenhuma orelha batia.

Ao conversar com amigos de Gentry, o biógrafo descobriu que o tratador era visto como um mitômano, e a história de Cheeta seria sua mais famosa invenção. O mais provável é que ele tenha comprado o animal ainda criança de um parque de diversões de Santa Monica, Los Angeles, que fechou em 1967 – e, portanto, o chimpanzé herdado por Westfall estaria chegando aos 50 anos de idade, e não aos 80. O biógrafo acredita que, como muitas outras pessoas, Westfall foi enganado por Gentry e não saberia da farsa armada por seu tio; a prova seria o fato de o próprio Westfall ter encomendado a biografia. Rosen conta que o tratador ficou arrasado ao saber das suspeitas e pediu para suspender o livro.

Em entrevista ao jornal britânico Daily Mail, Westfall disse que a possível fraude não diminuiu o interesse do público e da imprensa por Cheeta. “Eu recebi e-mails de pessoas dizendo que o mito e a magia de Cheeta são muito mais importantes que os fatos e os números. Esse camaradinha deu alegria a muitas pessoas, transportando-as para um tempo em que elas eram crianças e levando lágrimas a seus olhos. Sempre vai existir alguém querendo espalhar sujeira, mas, num mundo caótico como o que vivemos hoje, a maioria das pessoas nunca vai deixar de acreditar em histórias como a de Cheeta.”

Ao ouvir o pedido de uma visita ao santuário de Cheeta em Palm Springs feito pela Trip, Westfall disse ao telefone que só abre a casa para a imprensa mediante a doação de US$ 1.500 a sua fundação. “Os jornalistas querem usar Cheeta para vender revista, mas nunca querem dar nada em troca”. Apesar de se recusar a dar entrevista, o tratador adiantou que prepara uma grande festa para comemorar os 80 anos de Cheeta no dia 9 de abril de 2012. Para ele, Cheeta continua sendo um filho, não um mico.

Mim Tarzan. Você Cheeta?

por Rubens Ewald Filho*

Você leitor da Trip faz tempo que aprendeu essa lição: não acredite em tudo que lê ou lhe dizem. Cada vez mais as pessoas mentem, inventam, fantasiam. E cada vez menos as pessoas se preocupam em checar informações,como no caso de Cheeta. As notícias de que ele está prestes a completar 80 anos carecem de fundamento para qualquer um que conheça como funciona o sistema de treinamento de animais para os filmes de Hollywood.

Para começar, nunca existe um único Rin Tin Tin ou Cheeta. Um foi treinado para correr, outro para saltar obstáculos, um terceiro para olhar triste para a câmera e assim por diante. Cada macaco em seu galho, usando a expressão antiga. E todos se revezando e procriando. O que tiver descendentes mais próximos em aparência com o bicho famoso eventualmente ocupará seu lugar. Um esquema que se transforma em ganha pão-eterno. Esse é motivo para não aceitarem que Cheeta tenha uma estrela na calçada da Fama de Hollywood!

Faltava credibilidade a seu ex-treinador Tony Gentry, que afirmava que Cheeta teria feito todos os filmes do Tarzan com Johnny Weissmuller. Cheeta era tão famosa que havia 12 chimpanzés semelhantes a ela numa filmagem. Isso porque era o alívio cômico da série, sempre fazendo gracinhas. Invariavelmente, salvava Tarzan chamando os amigos elefantes para o livrarem de algum perigo, depois aprontava alguma travessura e todo mundo terminava rindo. Dizem que a Metro cuidava tão bem de Cheeta que uma vez Judy Garland, a estrela maior do estúdio, se queixou: “Até a macaca Cheeta é mais bem tratada do que eu!”.

O que poucos relembram é que chimpanzé é um bicho difícil, até mesmo perigoso. Muitos que trabalharam com esses animais os detestavam, porque eles tinham a mania de morder os parceiros. Preferiam trabalhar com uma cobra do que com o macaco. Ou até mesmo com o campeão mundial de natação Weissmuller, que era reconhecidamente um tarado e apreciava que as mocinhas bolinassem seu órgão sexual debaixo d’água. Não se sabe das taras de Cheeta, mas bem se pode imaginar...

No fundo, como diz o pessoal de cinema, não existe má publicidade, toda mídia é boa e ajuda. Eles acreditam também naquela máxima que formulou o diretor John Ford no filme O homem que matou o facínora: “Quando a lenda é mais famosa do que a realidade, imprima-se a lenda”. E, apesar de Tarzan estar fora de moda, a macaca Cheeta está ainda no domínio da lenda.

*Rubens Ewald Filho é conhecido como Homem do Oscar, porque já participou 26 vezes da transmissão do prêmio. Tem blog no portal R7, faz comentários na Records News e já lançou 31 livros de cinema.

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