Para pensar e pular

por Carol Ito

Blocos filosóficos, existencialistas, artísticos e engajados invadem o carnaval brasileiro, provando que teoria e prática podem se dar muito bem

Passear pelas listas dos blocos de carnaval das grandes cidades é uma experiência inusitada. Alguns propõem, além da farra, reflexões filosóficas, artísticas, engajadas, que são pontos de partida para juntar a galera na folia. Isso prova que teoria e prática carnavalesca podem se dar muito bem, obrigada.

Antes do desfile, o Bloco do Nada, de Recife, promove um sarau filosófico onde as pessoas são convidadas a refletir sobre o nada. “Já tivemos físico, artista plástico, psicoterapeuta, historiador, enfim, pessoas de várias áreas que trouxeram sua visão sobre o Nada e como o Nada aparece na vida de cada um”, conta o jornalista e (des)organizador, Gerson Flávio. E o surgimento bloco não poderia ter uma história diferente: aconteceu do nada. Em 2003, Gerson não teve tempo de comprar tintas para confeccionar o estandarte e saiu com ele em branco, até que um ser (provavelmente, com inclinações sartrianas) teve a ideia do nome. De lá pra cá, foram dezesseis carnavais.

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Outro bloco altamente reflexivo é o Baco do Parangolé, de São Paulo. Pedro Bruschi, músico responsável pela organização e devaneios, conta que a ideia veio dos saraus que organizava com amigos. O bloco saiu pela primeira vez em 2014 homenageando duas figuras de resistência: Baco, o deus do vinho, e o artista Hélio Oiticica. O primeiro é o “antagonista, não opressor e não patriarcal, que se opõe aos deuses da sociedade doente, do capitalismo, do dinheiro e do trabalho”, explica Pedro. Já o segundo representa a livre expressão, a fantasia e o “incentivo aos foliões não a serem espectadores mas participantes na atividade criadora”.

Numa pegada mais glamourosa, o bloco Amélie Pulando, que estreou este ano, em São Paulo, desfila ao som de música francesa, relembrando o clássico do cinema O fabuloso destino de Amélie Poulain, dirigido por Jean Pierre-Jeunet. Quem idealizou foi a cantora e produtora Julia King, baiana que morou na França por muitos anos. “A princípio, o bloco iria chamar Ivete Piaf. Depois, um colega sugeriu Amélie Pulando e agente disse ‘é isso!’”, conta Julia. Sobre a escolha do filme, ela explica que “Amélie é uma personagem que as pessoas têm simpatia, têm um amor pelo filme, pela coisa lúdica e sensível”. A trilha sonora do filme e versões em francês de grandes hits carnavalescos fazem parte do repertório.

Confira a lista desses e outros “blocos cabeça” garimpados por aí.

SÃO PAULO

 

Amelie Pulando

Yann Tiersen, compositor da clássica trilha sonora do filme O fabuloso destino de Amelie Poulain, ficaria orgulhoso dessa farra carnavalesca. O bloco segue ao som de música francesa com ritmo de batucada, versões em francês de hits como “Rapunzel”, de Daniela Mercury (cujo refrão virou “Lamour de Julieta e Romeo”) e paródias descontraídas (“Quero chiclete, chiclete!”, da banda Chiclete com Banana, virou “Quero baguete, baguete!). Uma boa sacada, não?

O bloco já saiu no pré-carnaval, mas fará um show especial na casa de samba Traço de União, no dia 16.

Baco do Parangolé

Os espíritos de Baco, o deus romano do vinho, e do artista brasileiro Hélio Oiticica, se juntam na folia tropical. Uma mistura que, a princípio, pode parecer estranha, mas que tem a transgressão como essência. Baco, deus dos boêmios e das bacanais, foi tachado de louco por sua forma de aproveitar a vida. Com a obra Parangolé, Oiticica juntou samba e arte, afrontando os mais canônicos, além de ter participado do fatídico episódio da prisão de tropicalistas, na época da Ditadura Militar. Marginais e heróis são bem-vindos ao bloco. Evoé!

Sai nos dias 4 e 11, em Pinheiros.

Sorria, Monalisa! O bloco do Louvre

Nada como ter “arte, amor e carnaval” num só lugar. Essa é a proposta do bloco, que, além de fazer referência ao famoso museu de Paris (onde repousa o sorriso de Monalisa), homenageia o Edifício Louvre, projetado pelo arquiteto João Artacho Jurado na década de 50 e tombado em 1992. “Rembrandt, Da Vinci, Renoir e Velazques / E quem gosta de cinza que se exploda, que se lasque”, diz um trecho do hino. Entendedores entenderão.

Sai dia 13, na Praça da República.

Pagu

Com um repertório de poderosas vozes femininas, como Elis Regina, Cassia Eller, Margareth Menezes, Maria Bethania, Clara Nunes, Elza Soares, entre outras, o bloco vem para relembrar (o que nunca é demais), que machistas não têm vez. Patrícia Galvão, a Pagu, figura icônica do Modernismo brasileiro, também é homenageada.

Sai dia 13, na Praça da Sé.

RIO DE JANEIRO 

Bloco Virtual

Relacionamentos virtuais, crushs que somem, desilusão, oi sumida… Nada disso. O bloco serve para juntar a galera no offline, com direito a músicas que vão do reggae à música clássica. Na verdade, ele é organizado através das redes, com contribuições de internautas. “O bloco traz uma nova percepção sobre a virtualidade, fazendo com que o folião transcenda o mundo real e adentre no fantástico mundo do carnaval” é a descrição do bloco. Uma boa chance para deixar o celular em casa.

Sai dia 12, no Leme.

Quero Exibir Meu Longa

 

Câmera na mão e samba no pé para carnavalizar o cinema nacional. Essa é a proposta do bloco mais cult e irreverente do carnaval carioca. Cinéfilos e cineastas são convidados a cair no samba para celebrar a sétima arte, que, no Brasil, é feita com tanto suor e perseverança. A melhor parte são as paródias: “O seu Cabelo não nega, mulata” vira “O seu cabelo não nega, Chewbaca”; “Mamãe eu quero” se torna “Ancine eu quero” e a versão de “Eu só quero um xodó” não poderia deixar de ser “Eu só quero um prêmio”.

Sai dia 13, na Tijuca.

RECIFE

Blocos Líricos

 

Um encontro de diversos blocos que buscam resgatar o carnaval tradicional, com direito à confete, serpentina, marchinhas e frevo. A proposta é resgatar “sentimentos mais sublimes que são o amor, o lirismo, a poesia, a confraternização de gerações”. Para quem quiser fugir da vibe abadá e música pop, pode ser uma boa opção.

Sai dia 12, no Marco Zero.

Bloco do Nada

 

Existencialista, aqui é seu lugar. “Bloco do Nada tem conteúdo / Vi que no Nada tinha de tudo”, diz o verso do frevo-manifesto, entoado pelos foliões. Afinal, o que somos nós dentro de um universo imenso, cheio de planetas, estrelas, galáxias e poeira cósmica? Isso mesmo: nada. Refletir sobre essa insignificância pode ser um caminho para a liberdade, para nos desprendermos das armadilhas narcísicas. Ou pode ser só um motivo para encontrar os amigos e festejar o carnaval, mesmo.

Sai no dia 12, na Rua Boa Vista.

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