Atrás do umbigo

por Paulo Lima
Trip #219

Barriga: ”uma beleza que não se limita a tanquinhos, panças e suprailíacos marcados”

Um lutador de boxe, muay thai ou MMA aprende muitas coisas desde cedo sobre seu corpo. Se tiver bons mestres, vai descobrir logo que, no mesmo lugar, moram sua força e sua vulnerabilidade. O agora chamado Core, uma espécie de cinturão de músculos e estruturas ao redor do abdome e que se estende até o dorso, é o centro da força e do equilíbrio do corpo. Dá sustentação à coluna e gera, ao mesmo tempo, a explosão de energia necessária para boa parte dos golpes fulminantes de seu repertório. Além disso, guarda pontos vulneráveis quase expostos que precisam ser permanentemente protegidos, já que, se tocados, podem levar à lona, ao asfalto ou a sentir o gosto azedo dos ácaros de tatame. Quem já viu pelo menos um par de lutas de boxe clássicas deve ter presenciado o estrago causado por um hook no fígado. O soco que vem de baixo pra cima em forma de gancho, se bem aplicado, nem precisa ser tão forte para dobrar o oponente e colocá-lo no solo em estado de desespero e com contrações e cólicas incontroláveis. Nocaute técnico.

Mas vejamos como formas de saber mais ancestrais e sutis entendem esse mistério. Vamos direto à fonte: a ayurveda é considerado uma espécie de mãe da medicina. Representa a compilação dos saberes e do conhecimento médico desenvolvido na Índia há cerca de 7 mil anos. A palavra em sânscrito significa ciência da vida. Nos escritos da ayurveda estão as primeiras linhas que identificavam o indivíduo como um grande sistema em que milhões de estruturas vivas compunham uma enorme rede de relações absolutamente interdependentes. A ligação entre as partes para compor um todo harmonizado levava em conta de forma importante, já naquela altura, não somente órgãos, tecidos e ossos, mas os sentimentos, as angústias, as alegrias e toda sorte de informações e impulsos que se revezam para firmar o que entendemos por uma existência humana. Nesse contexto, surgiram as primeiras percepções sobre o papel dessa região que guarda boa parte dos órgãos vitais, mas que ao mesmo tempo armazena, expressa e gera emoções de variados matizes. A ideia de somatização de traumas emocionais, sofrimentos e experiências negativas que se transformavam em problemas orgânicos complexos já era amplamente considerada e usada para tentar desvendar a complexidade de nossos sistemas.

Esta edição da Trip pretende percorrer essa curva ampla da barriga. Claro que não ignoramos a enorme importância estética atribuída a essa parte da anatomia em muitos lugares do mundo e de forma especial por aqui. A arma repartida em gomos que conferiria certo tipo de poder ao dono ou à dona de uma barriga sarada é devidamente estudada em várias páginas mais adiante. Mas a enorme amplitude dos mistérios que se escondem atrás de umbigos foi o que nos moveu a esta edição inteiramente dedicada às barrigas. Berços de vidas novas, de emoções difíceis de descrever, de sensualidade quase inexplicável, de força física surpreendente. Uma beleza que inclui mas não se limita a tanquinhos, panças e suprailíacos marcados.

Isso, sim, interessa.

Paulo Lima, Editor

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