Ame-o ou deixe-o (de vez em quando)

por Redação
Trip #230

Pra eles, a dúvida está superada: a solução é viver meio lá, meio cá

Pra eles, a dúvida sobre viver no Brasil ou desbravar outras partes do mundo está superada: a solução é viver meio lá, meio cá. Três brasileiros sem pouso fixo e um francês que se divide entre São Paulo e Paris relatam as delícias e as agruras de estar sempre em trânsito

Dimitri Mussard

30 anos, é Empresário (e um dos herdeiros da marca francesa Hermès). Francês, vive entre São Paulo e Paris desde 2010

Faz quatro anos que estou no Brasil e tenho duas empresas: Acaju do Brasil, uma distribuidora de marcas de moda europeias, e Dri Dri, uma gelateria recém-inaugurada nos Jardins, em São Paulo. Eu antes disso trabalhei anos no mercado financeiro, até que um dia decidi largar tudo para viajar o mundo inteiro. Viajei sozinho com minha mochila durante um ano e meio. Uma experiência única, provavelmente a mais fantástica da minha vida – o que pode parecer estranho, já que eu estava longe da família e dos amigos. Mas é interessante falar disso: acho que umas das razões que fazem, hoje em dia, ser tão fácil morar em um país estrangeiro é a facilidade de se comunicar com quem você quiser – por Skype, telefone, e-mail, Facebook... Na verdade, acho bem difícil perder a ligação com seu lugar de origem! Conservá-la é fácil.

Minha história com o Brasil é uma questão de momento. Eu tinha viajado pelo mundo muito tempo sem voltar em casa e estava muito feliz. Mas quando voltei a Paris fiquei muito triste (o tempo ruim, as pessoas, a crise econômica). Meu único vizinho com um sorriso era brasileiro. Um mês depois, eu chegava a São Paulo, alugando o apartamento dele. Sem nenhuma expectativa sobre a cidade, mas achando tudo muito excitante. Não conhecia ninguém e não falava português – um desafio fácil de superar graças à alegria e à gentileza dos brasileiros.

Isso é a razão de minha vida no Brasil: gosto do povo brasileiro muito mais do que do povo francês. Ao mesmo tempo, é essencial para meu negócios (e sobretudo para mim) voltar à Europa duas vezes por ano. Claro, um ponto importante é que escolhi uma atividade profissional que me permite viajar muito (para escolher novas marcas), mantendo um base no Brasil (onde estão todos os meus clientes).

bom de morar transitando é alimentar sua curiosidade e suas referências e ter uma disposição maior para criar (seja arte, seja uma empresa). É muito estimulante morar em dois países de culturas diferentes. O lado ruim é uma quase impossibilidade de criar uma família: morar em dois lugares diferentes só é possivel quando você não tem crianças ou quando elas já são independentes. Mas a pior coisa é conviver com comparações. Não se pode comparar um lugar com outro. Você pode me falar “mas, Dimitri, você comparou brasileiros e franceses”. Eu responderia que dá para comparar povos – a etnologia é isso. Mas não os lugares.


Lourenço Bustani

34 anos, é CEO da Mandalah, consultoria com escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro, Tóquio, Cidade do México, Berlim e Nova York. Brasileiro, filho de diplomata, vive em trânsito

Tenho sido um “paulistano-nova-iorquino” já faz um ano, ficando entre lá e cá. Nesse meio-tempo viajo pelo Brasil, vou dando pulos em outros lugares do mundo, tudo sem muita previsibilidade. Essa mistura entre São Paulo e NY por si só já diz muita coisa, e minha busca tem sido exatamente esta: experimentar o equilíbrio entre as duas cidades, que mantêm viva em mim a certeza de ser um cidadão do mundo.

Como tudo na vida, ser nômade tem coisas boas e ruins. O bom é poder mudar de rotina, ampliar nosso repertório, cruzar o caminho de pessoas incríveis e inusitadas, estimular a sensibilidade cultural, a humildade de perceber a imensidão da vida e treinar a capacidade dialógica, de nos entendermos como seres humanos, na língua e no coração. A lista do que não é bom também é grande. Mais, às vezes, é menos. Criamos certa relutância em estabelecer raízes, vínculos, em se “deixar ficar” pelos lugares e pelas pessoas. Os amigos nunca sabem onde você está e você mesmo fica desnorteado, sem saber onde está acordando. Nesse caminho, é inevitável abrir mão de algumas coisas e deixar outras para trás.

Hoje, no Brasil tenho minha pátria, minha história. Desistir dela seria desistir de mim mesmo. De um lado, sinto pesar nos meus ombros a decepção por um país que não anda em muitas coisas. Mas, de outro, ouço o chamado de poder fazer algo para mudar isso. Apesar da violência e da desigualdade, nenhum outro lugar do mundo tem a mistura linda de pessoas, culturas e heranças que encontro aqui, nem o calor humano. É quase como um segundo sol invisível, espalhado pelas ruas.

Já em Nova York, vejo um retrato do mundo em comunhão. Uma surpresa a cada esquina, um mind-fuck constante. Uma cidade em que todos estão abertos a experimentar algo novo e onde as histórias de vida impressionam, exatamente porque ir para lá significa dar um CRTL+ALT+DEL no cérebro. E aqui leia-se Nova York como Brooklyn. Manhattan é atordoante, clichê, excessivamente consumista e tem um exagero sensorial que não me agrada.

equilíbrio entre todas essas coisas é simplesmente isso, um equilíbrio.

Ou, para a minha sorte, um desequilíbrio. Vai saber.


Juliana Mundim

Cineasta, nasceu em Brasília e morou em São Paulo, Londres, Nova York e Berlim. Também passou temporadas na Nova Zelândia, na Turquia, no Japão, na Austrália, na Índia e no Nepal. E deu três voltas ao mundo, duas delas com duração de um ano

Eu gosto muito de ficar olhando o céu e isso é muito bom, porque a gente encontra céu em todo canto da terra. O céu muda o dia todo e todos os dias. Talvez seja a coisa mais excitante e democrática do mundo. Eu acho que ser nômade é muito parecido com ser o céu, pois como ele habitamos o movimento e é aí que encontramos o sentido de viver.

E, quando digo nômade, tem mais a ver com movimentos internos e com um jeito de vivenciar momentos do que viajar fisicamente. Depois de ter dado algumas voltas pelo mundo e ter morado em vários lugares, confirmei o clichê que ouvimos dos mais velhos: a viagem maior está dentro da nossa cabeça.

Acho que não adianta muito viajar e morar em muitos lugares se estivermos conectados demais com um pensamento só. Nomadismo tem a ver com o desapego do que somos e sabemos, e ser capaz de deixar espaço livre para que as coisas bonitas ao nosso redor mudem a gente – independentemente da geografia.

Desde muito criança já sabia que a minha vida seria assim, viajando do modo mais romântico possível .

Aos 19 anos me mudei pra Londres, onde vendia rosas na rua e estudava. Depois me formei em cinema e desde 2001 viajo fazendo filmes e arte que se inspiram nesses movimentos e mudanças.

Não é sempre fácil. Uma vida assim tem um preço muito alto. Você sempre está com saudade de alguém ou de algum lugar. A pátria se perde e nos sentimos pertencidos a inúmeros lugares. As fronteiras deixam de existir e o mundo se torna uma coisa só. As pessoas te questionam o tempo todo, não entendem e muitas vezes não respeitam. Eu nunca tive a sorte de me apaixonar por um outro nômade, então os amores acabam sofrendo um pouco também. Tenho sempre amigos longe, o que faz com que os encontros sejam sempre intensos e presentes, para que cada minuto seja aproveitado. Fora que planejar uma vida com filhos é extremamente difícil.

Não sei se conseguiria viver de outra forma, então optei por abraçar essa vida com o que ela tem de bom e ruim, com os céus do mundo para apreciar e com os ensinamentos de cada dia.


Hick Duarte

23 anos, é fotógrafo. nasceu e mora em São Paulo, mas não para mais em casa desde o final de 2012

minha vida se tornou “móvel” no final de 2012, quando eu de fato decidi correr o risco de deixar o meu estágio em jornalismo para me dedicar full time à fotografia. Até então eu morava em Uberlândia e, à medida que os trabalhos iam aparecendo, o ritmo de viagens crescia junto. Talvez pela forma como eu entrei no mercado – pela cobertura de eventos (festas, shows, festivais) –, eu sempre fugi do estúdio. Gosto muito 
de conhecer um cenário novo, de explorar locações externas e da experiência de trabalhar com pessoas na cidade em que elas vivem.

Existem muitas diferenças entre o Brasil e os países que visitei, mas uma em especial tem me feito pensar muito nos últimos meses: lá fora os empreendimentos locais são muito mais valorizados. Os produtos artesanais, as marcas menores (e mais segmentadas), os restaurantes que traduzem os costumes de uma região, enfim. No Brasil, a história é inversa, as pessoas preferem consumir o que vem de fora, rola uma supervalorização do rótulo “internacional”, como se aquilo fosse mais legal ou confiável.

Pode soar um tanto utópico, mas emplacar fora do Brasil me parece depender do quão sincero e exclusivo é o que você tem a oferecer. As grandes metrópoles lá fora estão cheias de boas ideias – mas nunca estarão de todas. A lista de gente que está se dando bem na gringa com um trabalho original só cresce. Na última viagem que fiz, conheci o Max Poglia (instagram.com/maxpoglia), gaúcho que produz facas, bolsas, carteiras etc; que hoje são vendidas nas lojas mais legais de Nova York. É um produto que tem a identidade rústica do Sul do Brasil, apresentado de uma forma moderna na medida certa. Um exemplo muito forte do que significa entender o que você pode criar de genuíno para o mercado que quer alimentar.

Em contrapartida, aquela sensação de estar sozinho no Brasil consumindo novidades em arte, música ou moda já passou há muito tempo. Sou muito otimista com a quantidade de festas mais segmentadas que vêm tomando o Rio e São Paulo, por exemplo. É muito bom ver projetos se sustentarem na sua autenticidade e no risco de oferecer uma novidade à cena. Sem contar com as características gerais da nossa noite, tão mais interessante, livre e animada do que a maioria das que pagamos para frequentar lá fora (da duração da noite ao astral da pista). O que muda nessa história em relação a, por exemplo, ir a um bar que você custou a conseguir entrar no Brooklyn, é a adrenalina de estar possivelmente assistindo à próxima big thing da música mundial. Esse sentimento de uma comunidade artística sempre fresh e criativamente efervescente, se desafiando o tempo todo, ainda é muito maior na Europa ou nos Estados Unidos.

Viajar me fez aprender uma porrada de coisa. Me ensinou inglês na marra, me estimulou a comprar mais e depois a comprar menos roupa, a arrumar a mala por rolinhos (realmente funciona!) e a nunca subestimar o horário de antecedência de um aeroporto – principalmente na Europa, onde a pontualidade é de fato rigorosa. Entender, na prática, as particularidades cotidianas de cada país também foi uma outra conquista. A noção de cordialidade e a postura colaborativa na hora de trabalhar formam um combo que impressiona logo de cara.


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