"GRACIAS A LA VIDA"
O sol vem manso por cima das lajes e telhados, me fazendo querer tirar a camisa. “Gracias a la vida, que me a dado tanto...” e segue por ai afora Mercedes Sosa. Graças à vida, nunca mais seremos os mesmos. Aprendemos a nos conter, suportar e esperar sem perder a espontaneidade.
Cedemos mas não concedemos. Choramos de dor e isso nos tornou mais humildes, capazes de chorar de alegria. Parece que o caos vai tomando conta das coisas e da vida da gente. Embora, dê para perceber também que estamos acumulando conhecimentos que poderão nos salvarão.
No momento a vida ainda sorri para nós. Ainda há espaço de desenvolvimento e crescimento para quem não tem medo de lutar pelo que vale. Muita gente pensou em preencher um buraco enorme que há na tessitura social. O que fazer para reintegrar o homem egresso das prisões no meio social? O índice de reincidência ultrapassa 75% no Estado de São Paulo. Fora os que são mortos pela polícia.
A primeira condição de cidadania é a documentação. O egresso das prisões nem desconfia das dificuldades que encontrará para se documentar. Votei pela primeira vez em minha vida depois de 54 anos de vida. Demorei dois anos para conseguir o título de eleitor. Precisei de advogado para poder votar. Para mim aquele ato era um símbolo de minha cidadania reconquistada.
Claro, sei que por mais estiquem o chiclete, ele vai ficar sempre do mesmo tamanho. O país esta de tal modo engessado ao seu passado que somente Deus pode dar um jeito. Fazer o que então?
Estou fazendo minha parte. Idealizei um Guia com informações para o homem que sai da prisão. Apresentei o projeto à Secretaria dos Assuntos Penitenciários que aprovou e terceirizou sua produção. Listamos Albergues Noturnos; Agências de empregos; Hospitais públicos; Organizações Não Governamentais que possam apoiar o egresso; procuramos apoios em Universidades; entidades empresariais; enfim, aglutinamos espaços que os egressos possam se utilizar na luta pela reintegração social.
O Guia tem sido entregue às pessoas próximas de alcançar a libertação. O preso não tem sido mais colocado para fora das prisões tão alienado quanto eu estive. Meu sonho agora é construir um Centro de Apoio ao Egresso. Já o tenho em mente há anos. Um dia quem sabe consiga. O Guia também foi assim.
Nem tudo aqui fora me agrada, mas ainda assim tudo é tão lindo e maravilhoso que chega até a doer. Mas o mais importante para mim foi constatar que tudo esta plástico, nada esta acabado. Nada é inamovível, nem as montanhas de Maomé. Tudo é factível de evolução e crescimento, inclusive o que a primeira vista possa parecer que não. O instante é grave, mas, “gracias a la vida,” cabemos todos nele. O espaço é único para todos, e esta aberto para cada um desenvolver sua luta. Isso é tudo o que pode desejar um homem.