por Caio Ferretti
Trip #194

A escritora de ficção Agatha Christie numa história bem real sobre seus dias de surfista

 

Nada de crimes, mistérios, suspenses e detetives. Desta vez a história da escritora Agatha Christie é sobre seus dias de surfista. E não há nada de ficção nisso

Que ninguém diga ser esta mais uma história de ficção de Agatha Christie. A escritora inglesa teve sim seus dias de surfista. Trocou a máquina de escrever e os livros cheios de suspenses e assassinatos por uma prancha. E está aí a foto para comprovar o crime. Foi em 1922, quando Agatha fez as malas e saiu com o marido, Archie, para dar uma volta ao mundo. O roteiro incluía uma passagem por Honolulu, no Havaí. E foi lá, no paraíso das ondas, que ela resolveu se arriscar em cima de uma prancha.

Arriscar-se mesmo, literalmente. Logo que chegou a Honolulu, Agatha viu da janela de seu quarto alguns surfistas. “Estava um dia ruim para fazer surf – um desses dias que só os peritos vão para o mar”, conta ela em sua biografia. Problemas? Nenhum. Agatha e seu marido já haviam experimentado o esporte antes na África do Sul e acharam que tirariam de letra o mar havaiano. Ledo engano. As diferenças começavam já pelas pranchas alugadas, tão pesada que eles mal conseguiam erguê-la. Conseguiram arrastá-las até a água e remaram cerca de uma milha até os recifes. A partir daí, ninguém melhor que a própria romancista para narrar:

“... colocamos-nos na devida posição e esperamos por uma dessas ondas que nos atiram pelo mar afora até a praia. Não é tão fácil quanto parece. Primeiro, temos que reconhecer a espécie de onda própria para isso e depois, ainda mais importante, temos que reconhecer a onda que não serve, porque se somos apanhados por uma daquelas que nos arrastam para o fundo só Deus poderá nos ajudar! Eu não era uma nadadora tão experiente quanto Archie, de modo que demorei mais tempo a atingir os recifes. Por essa altura já perdera Archie de vista; presumi que estivesse flutuando em direção à praia, negligentemente, como os outros estavam fazendo. De modo que me coloquei apropriadamente em cima da minha prancha e esperei pela onda. Ela veio. Era da espécie imprópria. Num abrir e fechar de olhos eu e minha prancha fomos atiradas para milhas uma da outra. Primeiro, a onda, depois de me arrastar violentamente para o fundo do mar, sacolejou-me muito.

Quando atingi a superfície, sem respiração e tendo engolido enormes quantidades de água salgada, avistei minha prancha, flutuando a meia milha de mim, em direção à praia. Nadei laboriosamente atrás dela. Foi recuperada para mim por um jovem norte-americano que me cumprimentou com as seguintes palavras: ‘Escute, irmã, se eu fosse você, hoje não faria surf. Você está arriscando demais. Tome a prancha e nade direitinho para a praia’. Segui imediatamente seu conselho.”

Para o primeiro dia foi o suficiente, mas Agatha voltaria a se encontrar com as ondas de Honolulu. Insistiu por dez dias até conseguir ficar de pé na prancha enquanto deslizava rumo à praia. “Que sensação de triunfo total no dia em que me equilibrei e vim até a praia de pé sobre minha prancha!”, escreveu. “Nada como correr sobre a água a uma velocidade que nos parece de muitos quilômetros por hora. É um dos prazeres físicos mais completos que já experimentei.” Além do triunfo, Agatha também carregou por um bom tempo outros resquícios do surf. Sem filtro nem alongamentos, herdou uma forte dor no pescoço e queimaduras de sol nada suaves. Mistério nenhum...

 

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