Abraços de crocodilo

por Diogo Rodriguez

Documentário prega peça em jornalistas com um falso personagem que ganhou espaço na mídia

Ary Itnem teve muito mais do que 15 minutos de fama. Representante da Confraria Britânica do Abraço Corporativo (CBAC), o consultor de RH foi entrevistado em 2006 por diversos veículos impressos, de TV e rádio. A filosofia corporativa que ele defendia e divulgava teve espaço em diversos programas e matérias: a de que o abraço ajudaria a melhorar as relações no ambiente de trabalho. Um vídeo “viral” de Itnem abraçando pessoas na Avenida Paulista fez sucesso no Youtube ajudando a reforçar a necessidade dessa nova ideia.


Porém, a CBAC não existe, apesar de um dia de já ter possuído um site aparentemente convincente. Ela foi uma invenção do jornalista e diretor Ricardo Kauffman. O nosso consultor de RH popstar, Ary Itnem, também não. Ele era, na verdade, um ator (Leonardo Camilo) fingindo ser representante da tal Confraria. Tudo isso fazia parte do documentário O Abraço Corporativo, uma investigação sobre como a imprensa brasileira funciona. Os jornalistas que entrevistavam o ficctício Ary Itnem eram os verdadeiros personagens do filme.

Feito todo com orçamento independente durante os cinco anos de produção, o longa estreia em São Paulo na sexta-feira (18/06). Por telefone, Kauffman contou à Trip porque resolveu pregar uma peça em seus colegas de profissão.

Como você definiria o documentário?
O Abraço Corporativo trata da publicação de notícias irrelevantes. Para abordar esse assunto, criei um personagem chamado Ary Itnem, um consultor de RH, representante da Confraria Britânica do Abraço Corporativo, que tem como missão divulgar uma ferramente que combate o stress nas empresas. O personagem e a CBAC foram divulgados para a imprensa como se fossem verdadeiros. O intuito foi checar como a maneira trabalha, como ela elege sua pauta. Uma maneira de discutir isso seria oferecer um personagem fictício para ver se ele seria retratado como verdadeiro. Diversas pistas foram dadas para que os jornalistas pudessem chegar ao caráter fictício do personagem. O filme mostra a trajetória dele no contato com a imprensa – ele faz qualquer coisa para aparecer - entrecortada por observadores que questionam o que deve ser notícia ou não e o que muda na produção da notícia na atual situação, em que a velocidade e o espaço para a informação aumentaram muito.

Como surgiu a ideia do filme?
Ela nasceu de uma angústia minha e de vários amigos e colegas jornalistas que surgiu por muitas vezes nos vermos em uma situação de cumprir uma pauta que não faz o menor sentido. Você vê que são publicadas coisas que não tem relevância. O Abraço Corporativo é um filme sonbre a publicação de notícias irrelevantes. Estava com uma pulga atrás da orelha, ela virou um elefante e surgiu a ideia de criar um personagem com um discurso plausível, porém frágil. Ele faria qualquer coisa para aparecer na imprensa, nós faríamos a divulgação dele mostrando isso no documentário para ver se ele teria alguma penetração apesar de não existir. O que aconteceu foi que ele ocupou um espaço significativo na mídia.

Por que a escolha de um personagem que trata do mundo corporativo?
A ideia foi identificar uma area do noticiário que fosse vasta e que fosse possível para alguém leigo, como eu, formular um discurso que se sustentasse minimamente,. Eu não teria como criar um personagem médico, advogado, engenheiro, porque na segunda, terceira frase dele seria difícil de sustentar. Observei que a mídia de negócios, corporativa, de RH, muitas vezes abre espaço para um discurso um tanto frágil. A ideia foi criar uma tese – o que levou um certo tempo – que não fosse nociva a ninguém e que não tivesse substância.

Quanto tempo durou a história do Ary Itnem?
Um ano. O filme foi feito em um processo bastante mambembe, autoral, independente, sem orçamento. Ele era feito nas horas vagas. Demorou oito meses para estruturar as ideias, os materiais, os releases, a Confraria Britânica do Abraço Corporativo, treinar o ator, ir a campo e publicar o site.

Alguém chegou a suspeitar?
Sim. No filme, a gente mostra dois casos em que as pessoas sentiram uma espécie de ruído, mas até onde sabemos, não avançaram muito [na investigação da veracidade da história]. Sou admirador de um tipo de documentário que se lança numa situação sem o menor controle do que vai acontecer e acho que no Abraço conseguimos isso. Fomos a campo sem saber se daria certo ou não. Se fôssemos descobertos, seria outro filme e pediríamos entrevista para esse repórter para ele relatar o processo dele. Isso não chegou a acontecer. Houve jornalistas que acharam a história inconsistente e não foram adiante com a história.

Houve alguma surpresa durante o documentário?
Não existiu. Houve a confirmação de que a ideia da matéria já nasce antes da apuração. Levanta-se uma tese e o reporter confirma aquilo. "Vamos criar uma tese de que os paulistas estão usando mais cachecol no inverno de 2010." Acha-se três pessoas que confirmam isso, que estão usando mais cachecol. Se nesse meio tempo, você achar vinte pessoas que odeiam cachecol, você tira até achar seus três. Você nega ou afirma qualquer coisa. Era isso que eu queria mostrar. É imporatante notar que isso está ligado a uma agenda. Se você sugerir algo que vá de encontro com o veículo, ele não vai checar tanto se procede ou não. Eu arriscaria dizer que hoje qualquer especialista em África do Sul que se diga capacitado a dizer como vai ser a Copa, se vai ter greve de funcionários, se é é seguro, esse personagem vai ter espaço.

Vai lá: O Abraço Corporativo
Estreia sexta-feira (18/06)
Cine Belas Artes (Rua da Consolação, 2423)
Horários: 14h20, 18h, 19h30, 21h10

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