Dez anos atrás eu tinha 22 anos. Se ali me perguntassem o que eu queria da vida, teria falado que quero tudo o que tenho agora
Dez anos atrás eu tinha 22 anos. Se ali me perguntassem o que eu queria da vida, teria falado que quero tudo o que tenho agora. Quero uma felicidade que não cabe no meu corpo. Quero esta vida que me leva pelo mundo, este trabalho, estas mulheres, um corpo que me permite escalar e correr e amar da forma mais física possível. Quero que essa dançarina recifense na Côte d’Azur chegue de tênis branco nas escadarias da orla de Nice e esqueça a roupa, deixando a canga vermelha para trás. Quero que ela me faça perder o trem porque tá bonito demais e ainda tenho mais uma foto para fazer. Quero que o casal aposentado que está de passagem pare para me dizer como a menina nua no meio do inverno é bonita. Quero ter que pedir desculpas aos meus colegas em Paris porque vou chegar atrasada para o jantar. Houve um imprevisto, ela precisa empinar a bunda mais uma vez e ainda tem um sorriso para dar. Serei obrigada a pegar o próximo trem.
Quero chegar a Paris e acordar cedo no dia seguinte, correr na beira do rio Sena com meu tênis sujo de lama, quero ver o sol do amanhecer aquecendo a parte de trás da catedral de Notre-Dame, num frio que me gela os ossos, um monte de bombeiros parisienses fazendo cooper, todos vestidos de shortinho vermelho, lindos de morrer. Na sequência, quero uma mesa de fartura, com todos os meus alimentos favoritos, quero encher o saco das pessoas para que levantem a mesa enorme e pesada para colocá-la ao lado da janela porque lá a luz é melhor.
Quero uma chef de cozinha parisiense que manipule todos esses produtos da terra e que ela esteja de camisa branca com o sutiã azul aparecendo embaixo do avental, o nariz dela suado. Quero que ela me lembre o que é comer, o que é alimentar, de verdade, quem você ama. Quero entrar no táxi para o aeroporto e que tal cozinheira apareça nua na janela do apartamento do lado da Torre Eiffel, dizendo boa viagem e volta logo. Quero pegar o avião para São Paulo, chegar na minha casa e na minha cama e saber que existe um canto no mundo que é só meu. Agora, tenho 32 anos. Se você me perguntar o que eu quero da vida, digo: ainda quero tudo isso. E quero que você venha comigo, e que me peça para ficar.
Créditos
Autumn Sonnichsen