A luz que não ilude

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”A arte ilumina o caminho a ser caminhado. Não a ciência, a filosofia ou a tecnologia”

Ao analisar as obras da velhice de artistas como De Kooning, Matisse, Mondrian e Klee, uma luz se acendeu em minha mente: é a arte que ilumina o caminho a ser caminhado – e não a ciência, a filosofia ou a tecnologia

Caro Paulo,

Neste começo de ano eu tive uma luz quando fui ver o De Kooning no MoMA, em Nova York.

Desde jovem eu sempre gostei de ver como as pessoas vivem a sua velhice, principalmente pessoas vocacionadas para as atividades físicas, como artistas plásticos. Esses artistas nasceram com um dom e sentem necessidade de usá-lo na expressão de algo que “precisa” sair de dentro deles. Eles sentem que têm uma entrega a fazer com o dom com o qual nasceram e dedicam sua vida a essa missão – e por isso se colocam como instrumentos do dom. Alguns se sentem vítimas do dom, não seguram a onda e morrem antes de ficar velhos. Enfim, a minha curiosidade era sobre o que acontece com a missão do artista antes de morrer, quando o corpo velho e decrépito não facilita mais essa entrega, que depende de mãos hábeis e olhos precisos e perspicazes.

A resposta que encontrei na produção do fim da vida dos meus favoritos De Kooning, Matisse, Mondrian e Klee é a de que a entrega deles melhora muito. E esses artistas tiveram problemas com suas mãos, algo como artrite, que os faziam perder o controle do pincel e às vezes até impediam o uso do principal instrumento do pintor. Os cut outs do Matisse eram feitos com tesoura! É lindo como ele usa o nada – a eliminação da cor – para desenhar.

O que eu aprendi, isto é, a luz que se acendeu em minha mente, foi o impacto positivo da limitação e da restrição na qualidade do cumprimento da missão. Para um velho, com menos recursos técnicos e menos energia, a entrega tem que ser feita com menos esforço e em menos tempo... Portanto, tem que ser mais simples, rápida, essencial e universal, menos elaborada, menos complicada. Aí reside o desafio do talento comprometido com a missão.

Tipicamente humano

Não vou explicar mais nada porque não sou teórico de arte. Vai dar uma olhada na produção desses caras quando eles não podiam mais fazer o que faziam quando eram jovens e veja que maravilha!

É uma luta entre a imensidão de compreensão que a velhice proporciona e a escassez de recursos para a sua expressão, cujo resultado – quando perseguido pelo compromisso de entrega do artista – é a vitória da arte, algo além da ciência, da filosofia, da tecnologia, da emoção e da razão: algo que as luzes naturais não mostram. Algo que, talvez, a gente possa chamar de tipicamente humano.

Pois é, meu amigo querido, ainda não entendi o que estamos fazendo neste planeta, mas estou achando cada vez mais interessante esse desafio de ser feliz em condições tão frágeis como essas com que a vida se apresenta.

A arte. Talvez a arte seja a luz que não ilude (ilusão = in luce) e que nos mostra o caminho a ser caminhado.

O abraço do amigo, sempre junto,

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 62, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

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