por J.R.Duran
Trip #181

Ou estamos perto de uma pandemia aterradora ou vai acontecer algo como o bug do milênio

Americano tem mania de deixar coisas enterradas em uma caixa para que um dia, no futuro, alguém as descubra e lembre como eram os objetos e costumes do passado. Gostam de fabricar uma verdadeira cápsula do tempo, como se estivessem brincando de arqueólogos ao contrário. Então vou usar esta coluna como uma minicápsula do tempo.

É assim: como tenho de entregar – estamos cansados de saber – o texto com um mês de antecedência, vou escrever aqui, hoje, o que sei sobre a gripe suína (que não é suína e tem um nome com letras e números do qual não me lembro) e descobrirei, junto com o leitor, na hora em que a coluna for publicada, se estava enganado nos meus temores ou não, se a coisa era mesmo feia ou não.

Porque numa quarta-feira leio no jornal (O Estado de S. Paulo, 29 de julho) que a Secretaria de Estado da Saúde, aqui em São Paulo, decidiu adiar a volta às aulas por 15 dias. Como gosto de passar meu tempo pescando frases que me parecem decisivas, detecto, perdida em uma coluna de texto, a declaração do diretor do Bandeirantes, um colégio privado de São Paulo: “Educação não é brincadeira. Ou a situação está muito mais grave do que as autoridades estão divulgando ou esta decisão não tem sentido”. Bingo. Acho que tem de tudo um pouco, e mais. Ou, como diz um dito popular espanhol, “al revés te lo digo para que me entiendas”.

Porque das duas uma: ou estamos às portas de uma pandemia aterradora ou vai acontecer alguma coisa tipo o bug do milênio, aquele que foi sem nunca ter sido (alguém lembra? Era dezembro de 1999 e se pensava que o mundo ia parar porque os computadores não estavam programados para a mudança de data. Não, acho que ninguém lembra). Bem, só sei que a única coisa certa é que nada é certo.

Mais cigarro, menos gripe
A primeira vítima da gripe suína no Estado de São Paulo foi registrada em 11 de julho. Naquele dia o secretário de Estado da Saúde dizia que era “uma exceção excepcionalíssima. Os pais – de outras crianças – não devem ficar preocupados”. Pois é. Dezoito dias depois, o retorno às escolas foi adiado por duas semanas. Entendo que não se pode prever o futuro. Entendo que não se pode assustar a população. Mas entendo (e me preocupa) a frase do diretor do Bandeirantes. No dia 15 de julho a informação era de que “só casos graves são testados”. Leio, perplexo, a notícia. Sempre pensei que o mal se cortava pela raiz. Leio também que “todos os casos confirmados são de pessoas que viajaram para o exterior”. Eram. Não são mais, porque em 27 de julho se notificou que “a lista de fatores de risco para a gripe suína está em revisão”. E como guardo os recortes dos jornais (mania que começou quando era criança e não tinha o que fazer e que nunca mais me abandonou) aumenta minha perplexidade.

Dias depois se descobriu que não é bem assim. Inicialmente se pensava, ou pelo menos se dizia, que o vírus atacava as pessoas acima de 60 anos e abaixo de 2 anos de vida. Das duas pessoas que se notificou a morte, hoje, uma delas tinha 28 anos e a outra era um homem de 42. Não tinham viajado, não estavam dentro dos alvos potenciais. Isso no mesmo momento que em Uruguaiana um bebê – de uma mulher grávida, de 36 anos, que morreu vítima da gripe – foi entregue ao pai depois de passar dez dias na UTI do hospital.

Já em 6 de agosto, quinta-feira, uma estatística publicada em um boletim do Ministério da Saúde mostrava que 28,5% dos casos de gripe suína eram graves. O percentual tinha dobrado em duas semanas. O governo comunicou que comprou 1 milhão de vacinas contra a gripe – o primeiro lote chega ao Brasil em dezembro. Jonas Fortunato, pai de um menino de um ano e meio com pneumonia, demorou, nessa quarta, um dia inteiro para comprar uma caixa de Tamiflu.

E no dia em que reviso este texto, sábado, 7 de agosto, os jornais de São Paulo trazem mais informações sobre a proibição de fumar em lugares públicos e quantas bitucas de cigarro ficaram sobre as calçadas do que sobre a gripe.

Me parece, tudo, muito confuso. E perigoso.

*J.R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor. Seu e-mail é studio@jrduran.com

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