A cientista Marcia Barbosa quer mais mulheres nas pesquisas não somente para promover a igualdade, mas a eficiência
Se até o século 20 a ciência não teve uma participação igualitária para mulheres e minorias, o século 21 impõe problemas complexos demais para serem resolvidos apenas pelos homens brancos e de elite que dominam as pesquisas. É isso o que defende Marcia Barbosa, a diretora da Academia Brasileira de Ciências, que em abril passou a integrar o Conselho Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, apelidado de “conselhão” da Presidência da República.
O desassossego com a falta de mulheres nas ciências surgiu depois que Marcia entrou para o comitê de gênero da União Internacional de Física, nos anos 2000. A partir dali, a professora titular do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul se tornou uma importante liderança feminina no Brasil e no exterior, reconhecida pelo Prêmio L’Oréal-Unesco para mulheres na ciência, em 2013. Ela foi responsável pela aprovação de uma lei que instituiu a licença-maternidade para bolsistas de pesquisa, por exemplo.
O cenário no qual a professora atua é preocupante. No mundo, as mulheres não chegam a 30% do total de pesquisadores, de acordo com pesquisa da Unesco 2015. Nas chamadas áreas STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics), o índice dificilmente ultrapassa os 20%. A pesquisa Mulheres na Física: Por que tão poucas? Por que tão lentamente?, desenvolvida por Marcia, mostra que elas são o grupo que menos recebe bolsas e o que mais abandona a área, conforme avançam na pós-graduação.
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Enquanto países desenvolvidos investem em políticas afirmativas para incluir mais mulheres nas áreas científicas, o Brasil ainda está na fase de aceitar que esse preconceito existe, ela afirma. Para ajudar a impulsionar essa mudança, a cientista orienta alunos, faz palestras dentro e fora da academia e atua em projetos como o ELAS nas Exatas, um edital criado pelo Fundo ELAS, pelo Instituto Unibanco e pela Fundação Carlos Chagas para promover a atuação feminina em áreas como matemática, engenharia e informática.
Marcia defende que incluir novos olhares nas pesquisas é o caminho para encontrar soluções e ideias fora da caixa nas ciências. “Não defendo a equidade porque ela é justa e democrática, isso todo mundo já sabe. Defendo porque a ciência vai ser melhor com mais diversidade”, explica a professora.
Machismo na nomeação
Essa melhora na eficiência também é realidade no mundo dos negócios. Em janeiro de 2018, a consultoria norte-americana McKinsey fez uma pesquisa reveladora: pegou as 500 maiores empresas do mundo e ordenou por diversidade. Descobriu que naquelas onde havia mais pluralidade – as que tinham pelo menos 30% de mulheres no conselho diretor – os lucros eram em média 30% maiores. Quando existia mais inclusão étnica, a diferença subia para 35%. Se as duas coisas ocorressem ao mesmo tempo, a alta era de 25%.
Mas incluir mulheres na ciência ou no trabalho significa enfrentar poderes há muito tempo cristalizados: “Na Idade Média, enquanto se perseguiam e queimavam ‘bruxas’, os reis protegiam os ‘magos’ dentro dos castelos. Ou seja, dominar a ciência e a tecnologia significa ter poder, tanto bélico quanto político”, explica Marcia. Por isso, ela defende os incentivos para que as minorias ingressem nas áreas de ciência e tecnologia, além de ações afirmativas. “A gente tem que abrir a porta, receber bem, integrar, criar canais de escuta”, afirma.
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Não é exatamente o que aconteceu com Marcia quando ela chegou ao “conselhão” da presidência. “Quando fui nomeada, um colega de trabalho questionou se eu tinha entrado por cotas”, ela conta. “Acham que eu busco visibilidade para tirar vantagem. Mas, no máximo, vou ter a compensação de uma grande desvantagem. Nada repara o assédio”, ela diz. “Existe um componente de dor em reconhecer os próprios privilégios, o que eu entendo. Não se trata de uma guerra, mas também não é um processo que vai passar sem dor, lamento informar.”
Marcia não se intimida. Acredita que sua resistência incentiva outras mulheres a assumirem cargos de liderança. “Aos poucos você traz vozes que eram mais tímidas, que agora falam porque não estão mais sozinhas”, ela explica. A boa notícia é que a nova geração de pesquisadoras está mais atenta ao problema e disposta a lutar por equidade de oportunidades. “A sociedade só precisa entender que ninguém vai sair perdendo, pelo contrário”, conclui. No Brasil, a grande descoberta científica do século 21 pode ser mais simples do que se imaginava: adicione mulheres às fórmulas.