por Luiz Covo

Luiz Covo, amigo de Ricky Ribeiro, homenageado pelo Trip Transformadores 2018, conta o que aprendeu sobre mobilidade nesses anos de amizade

Minha amizade com o Ricky começou como acredito que começa a maioria das boas amizades: compartilhando momentos, interesses e sonhos. Nos conhecemos brevemente no cursinho, mas foi na faculdade que nos tornamos realmente amigos. De cara, percebemos que o curso de Administração Pública nos unia na vontade de contribuir com algo maior e significava a possibilidade de participar de um país que percebíamos injusto, mas que acreditávamos poder transformar. Compartilhávamos um certo sentimento nacionalista inocente que via em livros como "O Povo Brasileiro", de Darcy Ribeiro, no movimento Modernista de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Em nossa diversidade sociocultural, havia razões para nos orgulharmos.

Ao mesmo tempo, éramos jovens transitando da adolescência para a vida adulta, com rotinas e desejos de jovens estudantes universitários. Aproveitamos muitas cervejadas, eventos universitários, viagens e baladas juntos. Foi justamente de uma mistura de idealismo, ativismo e vontade de viver a vida em sua plenitude que criamos o que seria a semente da ONG Associação Abaporu e do próprio Mobilize Brasil. Começamos com um projeto universitário chamado "Brasil na Veia", que consistia, dito de forma simples, em uma expedição cujo propósito era mapear e divulgar por meio de um livro os principais eventos culturais de nosso país.

A expedição acabou não vingando, mas a esse ponto passamos a acreditar que valeria a pena continuar sonhando em transformar nosso país. Nessa época, trabalhávamos como consultores na mesma empresa, e nas horas extras fundamos uma ONG com a participação de outros amigos. Criamos projetos de incentivo à leitura, sonhamos um Brasil com mais oportunidades. Esse sonho adolescente foi amadurecendo e chegou o momento de darmos um novo passo. Ricky foi para Barcelona e dedicou seus estudos de pós graduação a temas de sustentabilidade e profissionalização da Associação Abaporu. Simultaneamente, eu tocava o dia-a-dia de nossa ONG e ingressava em uma nova graduação, dessa vez biologia, com o objetivo de entender a natureza sistêmica de nossa realidade e, quem sabe, enxergar alguma saída para os problemas sociais de nosso país.

Navegar é preciso

A vida tem suas surpresas, mesmo que não estejamos acostumados a esperar por elas. Do nada, tudo mudou. Nossas vidas e nossa amizade não seriam mais as mesmas. Ricky foi diagnosticado com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), uma doença bastante severa que promove a paralisação progressiva dos músculos do corpo. Seria natural para um jovem, diante de tal cenário, esquecer seus sonhos, esquecer os problemas de sua cidade e de seu país. O mais natural talvez fosse a adoção de uma perspectiva amarga perante a vida e centrada na autopreservação de sua saúde física. O que vimos, no entanto, foi algo completamente diferente.

O que o Ricky começou a nos ensinar a partir de então é que uma nova vida estava apenas se iniciando e, ao mesmo tempo em que sua mobilidade física estava sendo retirada, toda sua energia vital seria direcionada para promover a reabilitação não de sua própria mobilidade, mas da mobilidade de milhões de pessoas, a mobilidade atrofiada de todos nós, que vivemos nos grandes centros urbanos de nosso país.

Liberdade para ir além

O que aprendi com o Ricky foi um tipo de lição que vai ficando cada vez mais nítida na medida em que a percebemos em retrospectiva. Muitos de nós, por não utilizarmos cadeiras de rodas ou não estarmos presos a uma cama hospitalar, nos julgamos livres, saudáveis. Mas não foi isso que Ricky percebeu quando esteve justamente nessas condições. Ele percebeu um mundo em processo de paralisia, cidades doentes e disfuncionais. E foi nesse processo de empatia profunda, de genuíno altruísmo, que o Ricky se reconectou ao mundo. Agora não mais apenas na luta pela recuperação de sua mobilidade física, mas sobretudo pela mobilidade urbana sustentável de nossas cidades.

Fazendo um balanço de tudo o que passamos, lembrando nossos tempos de faculdade em que pensávamos ser possível mudar o mundo, não poderia supor como Ricky daria o passo decisivo nessa direção. Apenas pelo movimento e expressão de seus olhos, Ricky nos ensinaria que não somos limitados por nosso corpo, mas que o limite está em nossa perspectiva sobre o mundo, em nossa desconexão com o outro e com nossas necessidades coletivas mais básicas. Ele deixaria claro que qualquer mudança que desejamos proporcionar ao mundo precisa ser iniciada por uma mudança interna bem mais profunda.

Ao expandir sua consciência e se conectar com uma necessidade maior que as impostas pela ELA, Ricky contrariou todos prognósticos médicos, fez com que sua vida transbordasse da cama e, por meio dos sinais digitais da internet, passou a habitar um outro lugar, muito maior, verdadeiramente ilimitado, dentro de cada um de nós.

Luiz Covo é amigo e parceiro de projetos de Ricky Ribeiro, homenageado do Trip Transformadores 2018.

Créditos

Imagem principal: Mario Ladeira

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