Paula Dib em: Diário de Bordo

por Paula Dib

É preciso viajar - seja para se inspirar, ou para transformar. Paula Dib sabe disso. Em solo africano conheceu pessoas, paisagens e texturas. Se modificou!

Diário de bordo.
África. 

Logo às 5 da manhã me acordaram de um sono difícil de pegar. O quarto ainda cheirava fogueira pela defumada da noite anterior. O primeiro pôr do sol em território africano foi em volta do fogo.

Sonambulando, arrumei minhas coisas e fui em direção ao aeroporto. Acordei enquanto observava a transição de territórios. O bege da África do Sul ficou pouco a pouco mais verde. Quando as copas frondosas das mangueiras e coqueiros se misturavam humana e alegremente entre as casas e baixos edifícios, era hora de pousar em Moçambique.

No aeroporto de Maputo os processos são movidos a humanos. Aos gritos, a moça da LAM chamava com tom estridente e sotaque português: “Pemba, Pemba!!!”, e em seguida soltava um sorriso amaciante e sincero.

O vozerio se entrelaçava com o canto de milhares de passarinhos, que por alguma razão escolheram a casa dos primos de metal para viver.

Pega passaporte, troca panfletos, mexe pra cá, pra lá e depois de toda coreografia ensaiada na hora, eu e mais um bando fomos encaminhados para o avião, devidamente vistados.

As nuvens escondiam a paisagem, mas a revista de bordo, de surpresa, me apresentou Julio Carrilho, escritor moçambicano que enfeitou meu imaginário com relação ao meu destino.

Falou dos bancos “x’quina", para descanso, conversa e ver passar; dos mercados temporários e arrancou um suspiro, descrevendo um bairro de Pemba.

“De cima, Paquitequete dança no verde das copas dos cerca de 300 coqueiros a cobrir as garridas capulanas das senhoras e os coifos bordados dos senhores; a colher com seu sussurro a vespertina brisa libidinosa; a proteger as crianças brincando antes do banho e sono; a auxiliar as famílias nos expedientes de sobrevivência.”

Olhando pra baixo, as nuvens ainda faziam suspense.

Pemba mostrou seus telhados de palha, chão de areia e sua baia de muitos verdes e azuis nos últimos minutos do voo. Meus olhos encantados acalmaram o coração.

Não demorou muito pra me ver rodeada de dezenas de crianças enlouquecidas com meu cabelo e sair dali com um vocabulário Macua duas frases mais rico e milhares de tranças.

Minha primeira noite em Pemba foi cheia de cores, de cheiros, de sorrisos e batuques. Reconhecimento mútuo. Vou chegando.


Paula Dib

 

A designer Paula Dib foi homenageada no Trip Transformadores de 2013. Assista aqui sua história.

* Acompanhe por aqui, semanalmente, os textos de grandes pensadores da sociedade brasileira, que já passaram pelo palco do Trip Transformadores.

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