play

por Luara Calvi Anic

Para combater traumas e promover o avanço da ciência, o neurocientista Eduardo Schenberg pesquisa o efeito positivo que drogas psicodélicas como o MDMA podem ter na nossa saúde

Aos 3 anos, o filho do neurocientista Eduardo Schenberg, 39, aprendeu a identificar pelo menos uma dúzia de espécies de passarinhos que visitavam o quintal de sua casa. Isso só aconteceu porque, com a gravidez, ele e sua mulher sentiram que era hora de sair da cidade de São Paulo e, há quatro anos, mudaram para o litoral norte do estado. “A cidade não nos oferecia o que a gente busca na vida e não é um ambiente que parece saudável para uma criança se desenvolver por completo”, diz, sentado em seu escritório, de onde vê o jardim construído aos poucos pela família. “Cresci e vivi na cidade, jogando muito videogame. O que estou buscando é uma infância diferente para ele”, diz.

Para além de ser um investimento em uma infância mais verde para o segundo filho (o primeiro, de um relacionamento anterior, tem 19 anos), este movimento de viver mais perto da praia foi bastante influenciado pelas experiências pessoais de Eduardo com a ayahuasca. “Muita gente que toma essas substâncias psicodélicas sente uma conexão maior com a natureza. Eu passei por isso nas minhas primeiras experiências”, conta, sobre a relação com a tradicional bebida enteógena usada por povos indígenas.

LEIA TAMBÉM: Neurocientista Stevens Rehen fala sobre o efeito dos psicodélicos no cérebro e reflete sobre o momento delicado da ciência nacional

A relação do neurocientista com a substância, porém, não se restringiu à mudança de casa. Tornou-se um caminho para ele impactar a vida dos outros, ao iniciar uma investigação sobre os benefícios do uso de psicodélicos para tratar a saúde mental das pessoas – além do chá preparado a partir de um cipó, inclua na lista o LSD, MDMA [sigla do composto químico metilenodioximetanfetamina, princípio ativo do ecstasy] e a psilocibina (presente nos cogumelos alucinógenos). Seu ponto de partida foi estudar o efeito da ayahuasca no cérebro de voluntários saudáveis, objeto de estudo do pós-doutorado iniciado em 2011 na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na sequência, entre 2014 e 2015, partiu para o Imperial College de Londres, onde foi o único brasileiro a participar do primeiro estudo mundial que trouxe imagens da atividade cerebral sob efeito de LSD.

Da Inglaterra, Eduardo trouxe novos conhecimentos e a velha certeza de que fazer ciência no Brasil é lutar diariamente. “Lá, o financiamento para a ciência é adequado e perene, eles não vivem sob essas ameaças de corte e de mudança de rumo a cada troca de partido no poder. Já o cientista brasileiro vive num estado de estresse crônico, de insegurança e incerteza. Não há estímulo nem continuidade. Desde que voltei, tomei 16 ‘nãos’ a financiamentos para pesquisa. É muito difícil.” Essa situação, no entanto, não parou Eduardo em sua busca por entender como as drogas psicodélicas podem agir positivamente na vida das pessoas.

Ressignificando traumas

Junto com o pós-doutorado na Unifesp, o paulistano havia iniciado as atividades do instituto Plantando Consciência, organização sem fins lucrativos onde desenvolve suas pesquisas com psicodélicos. Entre os estudos que conduz atualmente, está o uso de MDMA em voluntários diagnosticados com transtorno do estresse pós-traumático (TSPT) – pessoas que passaram por situações extremas, como sequestro, abuso sexual, tiroteio, assalto, morte repentina de familiares etc.

LEIA TAMBÉM: A psicodelia parece estar mais perto de nos ajudar a curar dependências químicas e problemas psíquicos do que de criá-los. Pesquisas sobre o tema vem sendo retomadas

Na experiência com MDMA que coordena no instituto Plantando Consciência, Eduardo tem uma parceria com o casal de psicólogos Alvaro e Dora Jardim, treinados pelo psiquiatra tcheco Stanislav Grof, referência nas pesquisas sobre estados alterados de consciência. “O MDMA gera um estado em que o medo diminui e a pessoa consegue ter contato com o que viveu.” Com esse método, o paciente ressignifica as estruturas entre medo e memória e “percebe que o trauma ficou no passado e que existe uma vida pela frente”.

Pioneiro no Brasil, Eduardo teve o insight para esse trabalho em sua passagem por Londres, quando entrou em contato com pesquisadores norte-americanos que já desenvolviam um trabalho semelhante. “Reconheci que isso tinha um potencial grande para o Brasil. Por ser um país que tem problemas de violência estrutural complexos, temos muito trauma por aqui.” Ele também atrela esse seu interesse a uma característica familiar. O nazismo e a fuga de parte da família judia da Alemanha trouxe uma espécie de trauma intergeracional. “Cresci com essa carga, ouvindo essas histórias. Acho que, de certa forma, isso influenciou e talvez tenha criado em mim uma facilidade de ter empatia com esses pacientes e ter me interessado por esse tratamento.”

Assim estabeleceu para si a missão de buscar uma maneira de amenizar o sofrimento de pessoas por meio de soluções disruptivas. Ao atravessar os preconceitos e estereótipos associados a drogas normalmente lembradas pelo uso recreativo, Eduardo passa a procurar respostas para perguntas que, no Brasil, não vinham sendo feitas. Dessa forma, se alinha ao que se vê com cada vez mais frequência em grandes centros de pesquisa pelo mundo. O MDMA foi sintetizado em 1970 e, na década seguinte, como princípio ativo do ecstasy, passou a ser usado de modo recreativo, o que resultou na proibição. Nos Estados Unidos, a retomada do trabalho com a droga para fins terapêuticos se deu nos anos 90 e, até 2022, a substância deve entrar para a lista de medicamentos liberados pelo FDA, o órgão responsável por regulamentar remédios e tratamentos nos EUA.

LEIA TAMBÉM: Neurocientista Fabrício Pamplona defende o potencial da Cannabis e trabalha para que medicamentos à base da erva possam chegar até nós

A demora da medicina em considerar essas substâncias como uma opção para os pacientes mais resistentes a tratamentos tradicionais está atrelado, para Eduardo, a questões culturais e ao preconceito. “Dentro das próprias universidades predomina a visão de que as drogas proibidas não têm nenhum aspecto terapêutico e, portanto, não há estímulo para pesquisá-las.” Além desse fator relacionado à saúde mental, ele defende que essas substâncias têm potencial transformador, oferecendo um novo olhar para a nossa existência. “Elas podem ter um papel fundamental no reencantamento do ser humano com a vida, com a natureza”, assim como aconteceu com o pesquisador.

 

ASSISTA

play
Créditos

Imagem principal: Mario Ladeira

Mario Ladeira

fechar