Se uma substância ilegal é vital para manter a saúde de um filho, é preciso romper tabus.
Este é o primeiro artigo que escrevemos, em família, para a Trip.
O caso da nossa filha Anny tornou-se público quando, no dia 30 de março de 2014, o Fantástico apresentou reportagem contando um pouco dessa história.
Anny possui uma síndrome rara, CDKL5, que, entre as diversas características, apresenta epilepsia de difícil controle e já estávamos usando a maconha (Canabidiol – CBD) para amenizar as convulsões. Graças aos efeitos anticonvulsivantes do CBD, conseguimos reduzir consideravelmente as crises convulsivas e garantir uma melhor qualidade de vida para ela e para a família.
Mas, por ser Ilegal a importação de qualquer derivado da maconha no Brasil, naquela época, nosso “pacote” ficou retido em uma das tentativas de trazer o medicamento, e Anny voltou a ter as fortes convulsões.
A história fora contada numa reportagem do Tarso Araujo, na revista Superinteressante, em seguida na criação de um curta chamado Ilegal , e na sequência a reportagem do Fantástico. Na segunda-feira seguinte à reportagem, entramos com uma liminar judicial e no dia 3 de abril de 2014 Anny tornou-se a primeira pessoa no Brasil com autorização para importar um derivado da maconha para uso medicinal.
Esse foi o início da trip da nossa filha com a maconha.
A maconha ainda é considerada pela sociedade uma droga que prejudica, destrói famílias e faz muito mal. Durante toda a vida fomos ensinados, pela escola, sociedade, igreja, família, literatura, que maconha faz mal, e maconheiro é uma palavra que traz uma carga negativa de significados e comportamentos.
Mas aprendemos também que TUDO na vida é relativo, os conceitos mudam, os valores se transformam, verdades são derrubadas, mentiras viram verdades, conquistas viram derrotas e derrotas viram vitórias inquestionáveis, ou seja: tudo é relativo e as percepções dependem de nossos paradigmas, nossos valores.
Pode soar engraçado ou até agressivo, mas é um fato: a nossa filha é maconheira.
A trip da Anny com a maconha é específica, ela precisa do CBD para ter qualidade de vida, para minimizar as crises convulsivas e ter uma oportunidade de se desenvolver.
Aprendemos ao longo desses quase três anos a admirar essa maravilhosa planta, conhecemos seu potencial terapêutico, industrial e recreativo. No entanto, o preconceito em relação à maconha é muito forte.
Para combater um preconceito, é preciso enfrentá-lo com informação, mas informação de qualidade. Esse assunto é sério e não podemos brincar com a saúde, as pessoas devem ter o direito de escolher como se tratar, todas as opções são válidas e precisam estar disponíveis: importar, produzir nacionalmente ou cultivar. Precisamos avançar nas pesquisas e na regulamentação que socialize o acesso; afinal, saúde é um direito do cidadão e não um favor do Estado.
Enquanto essa história está sendo escrita, a trip da Anny e de tantas outras pessoas, com a maconha, não tem um destino certo.
Norberto Fischer e Katiele Bortoli
Katiele foi homenageada no Trip Transformadores de 2015. Assista aqui sua história.
* Acompanhe aqui, semanalmente, os textos de grandes pensadores da sociedade brasileira, que já passaram pelo palco do Trip Transformadores.