Joelma, Chimbinha e José Carlos Meirelles

por Fernanda Danelon

Causos da floresta e palavras indígenas pontuaram o quinto encontro entre homenageados

Causos da floresta e palavras indígenas pontuaram o quinto encontro entre homenageados do Prêmio Trip Transformadores 2009, na prosa animada entre o casal Joelma e Chimbinha, da banda Calypso, e o sertanista José Carlos Meirelles

Quando Joelma e Chimbinha conheceram o sertanista José Carlos Meirelles, o tempo parou. Aquela conversa de compadres no sítio Canumã, nos arredores de Brasília, não estava nos planos. Foi na varanda, enquanto comiam castanha-do-pará, que a cantora e o guitarrista da Banda Calypso assuntaram com o defensor de índios isolados o destino da maior floresta do mundo. Nada melhor do que os próprios filhos da terra para falar da Amazônia. A prosa foi interrompida pela tumultuada agenda dos artistas pop, mas a promessa é que siga no dia do Prêmio Trip Transformadores – 25 de novembro.

 

Joelma e Chimbinha são amazonenses. Passaram a infância brincando na beira do rio. Meirelles é amazonense de coração. Há 40 anos abandonou o curso de engenharia em São Paulo para se embrenhar na floresta. Virou indigenista da Funai e hoje é o único sertanista que vive à beira do rio Envira, na fronteira com a Amazônia peruana, defendendo os chamados isolados, índios que não mantêm contato com o homem branco. Na região do Envira, são três povos. No país todo, existem 28 etnias isoladas confirmadas.

“Justiça é igual a tarrafa da malha miúda, pega o pequeno e solta o grande!”, desabafa Meirelles

Chimbinha: E tem peixe lá? Adoro pescar!

Meirelles: Então lá é o paraíso. Tem tambaqui, pirapitinga, jaraqui, braço de moça, jaú, surubim...

Chimbinha: Comer peixe fresco, com açaí e farinha... Gosto de preparar. O jaraqui tem que ticar pra tirar toda a espinha.

Joelma: Minha mãe fala tiquim, “tem que fazer o tiquim”.

 

Joelma e Chimbinha driblaram uma rotina alucinante, que inclui quatro shows semanais, para estar com o sertanista no Canumã. Um concurso de uma rádio os levou a Brasília, e uma visita do Calypso ao ouvinte fazia parte da premiação. Joelma e Chimbinha foram escoltados pela polícia para chegar à humilde casa da vencedora, tamanho o assédio. O carro da equipe de reportagem da Trip seguia atrás. Beatlemania era pouco, mas furamos o cerco e conseguimos levar o casal até Canumã.

 

Meirelles: Rapaz, este ano foi atípico, choveu direto. A gente sobrevoou as malocas dos isolados e viu a roça de sempre: macaxeira, banana, milho, batata, cará, amendoim. Mas o roçado não queimou, porque não secou. Aí plantaram o milho no meio do balseiro mesmo. A gente brinca que tracajá [tartaruga de água doce] este ano botou na praia molhada! Porque tracajá só bota quando a praia tá seca, areia bem quente. Mas este ano foi na praia molhada.

Chimbinha: Tem muita tartaruga lá? Tracajá? Jabuti?

Meirelles: Olha, lá onde eu trabalho, não tem muita tartaruga não, porque é cabeceira de rio. Mas tracajá tem demais e jabuti tem muito. Cabeçuda, iaçá [tartarugas de rios amazônicos]... Eu falei pros meus funcionários: “Olha, gente, nós estamos aqui numa área pra preservar. Então, vamos fazer o seguinte: a gente come só capitari [macho da tartaruga da Amazônia], não vamos comer jabota [fêmeas].

Tarrafa miúda

O sucesso do Calypso foi sedimentado por soluções criativas do casal de namorados que ergueu a banda na raça, há dez anos. Joelma e Chimbinha não apenas inventaram um novo estilo musical, como também foram precursores de um inovador modelo de negócios em meio à maior crise da indústria fonográfica, que se tornou objeto de estudo do jornalista americano Chris Anderson, da revista Wired, e da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Sem o apoio de gravadoras, eles davam CDs para as rádios de poste de Belém (que transmitem em alto-falantes nas ruas) para divulgar suas músicas, fecharam acordo com uma distribuidora que os repassava a lojas e camelôs. Deu certo. Venderam mais de 12 milhões de cópias.

 

Paralelo aos shows, Joelma e Chimbinha abriram em setembro passado a grife Calypso Vest, na cidade paraense de Almeirim, com 36 mil habitantes. Foi a concretização de um sonho antigo de Joelma, de melhorar as condições de vida em sua terra natal. Além de gerar empregos, a confecção – montada de forma não poluente – oferece capacitação profissional, contratando especialistas em estamparia e demais técnicas têxteis para qualificar a mão de obra local. As coleções têm inspiração na fauna e flora exuberantes da floresta.

Chimbinha: O que acontece na Amazônia é muito sério. O Governo proíbe o povo de tirar o açaí, a madeira, mas não dá alternativa econômica.

“O Governo proíbe o povo de tirar o açaí, a madeira, mas não dá alternativa econômica”, diz Chimbinha

Meirelles: Às vezes vem um amazônido com um pau de cedro pra tirar meia dúzia de tábua e fazer uma cozinha, pra não fazer de mutambo, que estraga, e é perseguido. Mas teve uma madeireira grande que esteve por lá e levou metade do Envira, carregando mogno. Explorou como quis e foi embora numa boa.

Chimbinha: O povo tira pouca madeira, logo se repõe. Mas as madeireiras entram, acabam com tudo e não pega nada.

Meirelles: Tem um trabalhador lá na frente, um velhinho, nosso filósofo de plantão, que uma vez disse: “Seu Meirelles, a Justiça é a igual tarrafa da malha miúda, pega o pequeno e solta o grande!”. Porque você dá uma tarrafada com malha miúda e pega só piabinha, sardinha, jaraqui... Jaú – que é grande – mete a cara, rouba e vai embora!

A conversa vai bem, mas logo Joelma e Chimbinha têm que se despedir e correr para o aeroporto. Já haviam mergulhado de volta ao mundo do show business. Enquanto isso, o sol se punha no Canumã e Meirelles anotava na agenda o e-mail de Joelma, para acertar os detalhes da visita que fará à fazenda do casal, nas férias em janeiro. Planejam pescar juntos.

Confira o vídeo e ouça a prosa deste encontro no site do Prêmio Trip Transformadores (www.trip.com.br/transformadores)

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