Para o deputado federal, é impossível tratar casos de homofobia como fatos isolados: ”Podem tentar afastar a questão religiosa o quanto quiserem, mas não é possível fazer isso sem faltar à verdade”.
Cinquenta mortos e 53 feridos. É o maior massacre cometido nos Estados Unidos desde o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. Poderia ter sido qualquer um de nós! Eu fico assustado, triste, até com raiva! É uma dor que nunca termina, porque pouco depois de cada crime homofóbico tem outro ainda pior. Quando vamos reagir e encarar o problema do fundamentalismo religioso e suas consequências, que cada dia mais se medem em mortes, dor e sofrimento?
Dessa vez, pela magnitude do horror, o mundo inteiro está assustado. Um homem armado, identificado como Omar Saddiqui Mateen, nascido nos EUA, mas filho de pais afegãos, ingressou numa boate gay em Orlando e assassinou 50 seres humanos. O pai de Omar disse aos veículos de comunicação que o jovem tinha ficado "muito incomodado" em uma recente viagem a Miami quando viu dois homens se beijando e que tinha feito comentários rejeitando essa expressão de afeto. De acordo com o noticiário internacional, o FBI suspeita que ele tivesse relação com grupos extremistas islâmicos.
Nos próximos dias, haverá com certeza novas informações e muita discussão política sobre esse brutal atentado, que podem inclusive afetar a campanha presidencial nos EUA. E haverá muita discussão sobre a vinculação pessoal ou não do assassino com o terrorismo islâmico, bem como sobre seus supostos desejos homossexuais recalcados. Mas independentemente dessas especulações, que ainda não se transformaram em certezas (de que ele fazia parte ou não de algum grupo terrorista e/ou se agiu por ressentimento devido ao desejo recalcado), tem algo que não pode ser negado: fosse ou não Omar Saddiqui Mateen integrante de algum grupo islâmico radical específico ou tivesse ou não homossexualidade enrustida, o fundamentalismo religioso está na origem do ódio que leva pessoas em diferentes lugares do mundo, inclusive pessoas comuns que nunca suspeitaríamos que fossem capazes de fazer isso, a exercer as formas mais cruéis e desumanas de violência contra homossexuais.
Podem tentar afastar a questão religiosa o quanto quiserem, mas não é possível fazer isso sem faltar à verdade. No fundo, mesmo no caso de pessoas não religiosas, os preconceitos anti-homossexuais e os atos de homofobia que decorrem deles têm como alicerce o discurso das "religiões do Livro", na leitura de seus porta-vozes homofóbicos, que tratam como pecado mortal a sexualidade que não seja para fins de procriação e, em particular, isso que hoje chamamos de homossexualidade. Não nos esqueçamos do outdoor espalhado por Malafaia - "Deus fez macho e fêmea" - e a letra da canção: "Deus fez Adão e Eva e não Adão e Ivo". O fundamentalismo religioso, seja nos EUA, no Oriente Médio ou no Brasil, usa uma leitura odiosa dos textos sagrados dessas religiões para promover o ódio, o preconceito e a violência contra a população LGBT. E isso, mais tarde ou mais cedo, acaba em tragédias como essa.
Podemos continuar tratando cada caso (cada um dos mais de 300 crimes de ódio contra pessoas LGBT que acontecem a cada ano no Brasil, cada gay ou cada lésbica ou cada travesti agredida nas ruas do nosso país por evangélicos fundamentalistas, cada gay executado pelo Estado no Irã, cada casal homossexual preso por leis homofóbicas em países governados por fundamentalistas muçulmanos ou cristãos, cada homossexual jogado de cima de um prédio na Síria pelo Estado Islâmico) como se todos esses casos não tivessem relação entre si, como se fossem episódios pontuais, isolados. Ou podemos encarar seriamente o problema do fundamentalismo religioso, a maior ameaça para a paz, a liberdade e a democracia neste século.
Jean Wyllys
Jean Wyllys foi homenageado no Trip Transformadores de 2013. Assista aqui sua história.
* Acompanhe aqui, semanalmente, os textos de grandes pensadores da sociedade brasileira, que já passaram pelo palco do Trip Transformadores.