Cristóvão Tezza e Lelé

por Fernanda Danelon

O arquiteto e o escritor saciam a curiosidade pelo trabalho do outro

No último encontro do Trip Transformadores 2009, o arquiteto Lelé e o escritor Cristovão Tezza saciam por e-mail a curiosidade que um tem pelo trabalho do outro

No sexto e último encontro entre os homenageados do Prêmio Trip Transformadores 2009, impossibilitados de se verem pessoalmente, Lelé e Cristovão formularam perguntas um para o outro. Por e-mail, promoveram uma troca a distância, mas não menos proveitosa.

Um transforma através da arquitetura. O outro, da literatura. João Filgueiras Lima, o Lelé, passou a vida desenhando prédios econômicos, ecológicos e criativos, voltados ao bem-estar social. Ganhou notoriedade com a arquitetura da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, voltada a pessoas com problemas do aparelho motor. São prédios com soluções inovadoras, como o sistema para captar correntes de ar para tubos de ventilação que levam vento fresco para dentro do edifício. Com isso, o hospital de Salvador não usa ar-condicionado, e a conta de luz, que seria de R$ 800 mil, é de R$ 80 mil mensais. Fora a economia dos recursos naturais.

A arquitetura de Lelé dá exemplos de sustentabilidade muito antes de a palavra estar na moda. Foi no Sarah que Lelé, carioca radicado na capital baiana há 30 anos, implantou o CTRS (Centro de Tecnologia da Rede Sarah). A fábrica, acoplada ao complexo hospitalar, abastece os nove hospitais da rede. Fornece às estruturas pré-fabricadas argamassa armada, tecnologia desenvolvida por Lelé que economiza até 50% em material de construção. Também fabrica os equipamentos usados na rotina hospitalar. Ex-músico profissional, Lelé encontra uma analogia enorme entre a arquitetura e a música: “Uma identidade arquitetônica é criada com ritmo”.

“Uma identidade arquitetônica é criada com ritmo”, observa Lelé


Viagem sem volta

Cristovão Tezza acredita no poder transformador da literatura: “O mundo da escrita é uma viagem sem volta. À medida que o escritor mergulha no universo literário, ele passa a ser escrito pela linguagem. Depois de 200 páginas, sou outra pessoa.”

O escritor de 57 anos radicado em Curitiba ganhou projeção com O filho eterno, lançado em 2007 e vencedor dos prêmios Portugal Telecom, Jabuti, APCA, entre outros. A obra aborda o tema autobiográfico do pai de um filho portador da síndrome de Down. Rompe com tabus, revelando friamente a faceta humana desse anti-herói, com dificuldades em conviver com o filho, sem deixar de amá-lo. “Eu seria um fracassado se não houvesse escrito sobre o fato mais importante da minha vida. Estava na hora de enfrentar o tema, pois havia amadurecido. E o Felipe, há muitos anos, deixou de ser um problema pra mim. Aí eu descobri aquela bendita terceira pessoa que me transformou em personagem, e o livro foi se escrevendo sozinho.” O filho não lê, mas captou de maneira positiva a repercussão da obra, juntando seus troféus de natação aos do pai, na prateleira da sala, e se apresentando assim: “Oi, eu sou o filho eterno”.

 

Cristovão pergunta para Lelé

O que você acha da concepção arquitetônica dos shoppings, que viraram moda?
O shopping é o exemplo mais característico da desintegração da arquitetura. Depois que me mudei para este escritório, ia almoçar no shopping em frente. Mas a cada vez que eu voltava me sentia mal... Agora almoço num restaurante na calçada, aqui perto, e me sinto melhor. A arquitetura de shopping é terrível, simboliza a decadência do habitat humano.

Você participou ativamente da fundação de Brasília. Foi um projeto que deu certo?
Tenho uma ligação afetiva muito forte com Brasília, e continuo admirando a proposta de Lúcio Costa. Hoje, está cercada por cidades satélites e o projeto do doutor Lúcio está estrangulado por um monte de construções desajeitadas. Mas a concepção habitacional da superquadra é muito bonita, um momento de orgulho da cultura brasileira.

Dá para definir um bom arquiteto numa frase?
Oscar Niemeyer. É amigo e mestre, a pessoa que mais me influenciou não só como arquiteto, mas também como ser humano. Minha proposta na arquitetura é outra, é secundária. É uma arquitetura do cotidiano. O Oscar não, é um revolucionário, um criador.

“Eu seria um fracassado se não escrevesse sobre o fato mais importante da minha vida”, diz Cristovão

Lelé pergunta para Cristovão

Você teve diferentes experiências profissionais. Isso retardou seu amadurecimento como escritor?
Não, ao contrário. Só lamento não ter trabalhado com mais coisas. Queria ter sido mestre de obras, diversificado minha experiência. Fui relojoeiro. Depois, no teatro, fui sonoplasta, iluminador, ator. Esse tipo de experiência, em diferentes trabalhos, é fundamental para a literatura.

Qual seu método de trabalho? Como busca inspiração?
Sou metódico. Escrevo todas as manhãs, por três horas. Às vezes escrevo duas páginas, em outras só um parágrafo...

Onde você prefere viver?

Em grandes centros urbanos ou em cidades menores? Eu prefiro cidades menores, onde sempre vivi. Gosto muito de São Paulo, mas eu gosto mesmo da cidade ao alcance das mãos. Inclusive já estou achando Curitiba grande demais!

Assista aos vídeos das entrevistas no site do Prêmio Trip Transformadoreswww.trip.com.br/transformadores)

fechar