Ana Moser e Sérgio Petrilli

por Fernanda Danelon

O médico e a jogadora mostram como melhorar o dia a dia de jovens das periferias

O sol já incide baixo sobre o teto do CEU Feitiço da Vila, desenhando uma sombra comprida pelo pátio do Centro Educacional do Campo Limpo, bairro afastado da zona sul de São Paulo. É tarde de sexta-feira, e o professor Renato pega o caixote cheio de raquetes e bolinhas de tênis: “Cada um tem que jogar sua bolinha pra cima, sem deixar cair”, diz, desafiando a turma de crianças e adolescentes atentos, ávidos pela nova tarefa. Observando-os ao lado da quadra, logo atrás da escadaria que serve de arquibancada, estão Ana Moser, ex-jogadora de vôlei medalhista de bronze em Atlanta-1996, e Sérgio Petrilli, oncologista pediátrico que fundou o Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer). Ambos estão entre os homenageados do Prêmio Trip Transformadores deste ano e participam do segundo encontro entre os indicados, promovido pela Trip.

O professor Renato consegue dar aulas de esportes às crianças e adolescentes da vizinhança porque o Instituto Esporte & Educação, criado há oito anos por Ana Moser, utiliza estruturas já existentes – como os CEUs (Centro Educacional Unificado) – para aplicar seus projetos de educação pelo esporte. “Local para agir não falta, o que falta é iniciativa da sociedade”, diz a ex-atleta. “Além das oficinas esportivas para crianças de 6 a 18 anos, capacitamos adolescentes para que eles sejam monitores em nossos 43 núcleos pedagógicos espalhados por seis Estados do país”, conta Ana, que deixou as quadras há dez anos para continuar se dedicando ao esporte, mas desta vez como um fator de transformação social.

Renato da Silva Ferreira, o professor, tem 19 anos e começou como aluno do IEE aos 16. Dois anos depois, ganhou bolsa para a faculdade e hoje está no terceiro semestre do curso de educação física. Quando não está na sala de aula, trabalha na quadra do CEU Feitiço da Vila, perto de sua casa, fazendo meninos e meninas suarem a camisa na quadra. “Antes eu era muito tímido, mal conseguia falar com as pessoas. Hoje estou mais confiante e criativo. Até inventei uma brincadeira nova com a criançada, a queimada-xadrez, em que misturei as regras dos dois jogos”, conta Renato, antes de emendar: “Sair do marasmo da rua e vir às oficinas me fez crescer, ver o mundo de verdade. Ajudou também a descobrir meu talento. Aprendi a fazer molduras de mosaico e vender pra levantar um dinheirinho”.

 MESMO PÚBLICO, DIFERENTES VERTENTES

Petrilli logo observa: “Essas crianças do IEE são as mesmas que eu trato lá no hospital, quando ficam doentes. Agimos sobre o mesmo público, atuando em diferentes vertentes da mesma realidade”, diz, chamando a atenção para o ciclo de atuações formado em torno da desigualdade social. “Fico muito feliz ao ver uma profissional como a Ana Moser usando sua imagem por uma causa para terceiros, e não para si mesma”, diz o médico. “Sempre fui assim. Se não estiver bom para todo mundo, não está bom para mim”, afirma Ana. “Por causa da minha carreira, viajei muito, conheci diferentes culturas e realidades. Isso aumentou minha sensibilidade. As pessoas não percebem que a pobreza do outro é seu problema também”, completa.

INSPIRAÇÃO AO PARÁ
A conversa entre os dois transformadores aponta para um novo caminho no empreendedorismo social. “As ONGs se modernizaram, o sentido de responsabilidade social cresceu e diversos setores se mobilizam em torno de projetos mais ousados e eficazes”, diz Petrilli, fundador do complexo hospitalar que atende gratuitamente 15 mil crianças e adolescentes por ano e é referência nacional para diagnóstico e tratamento de câncer infantojuvenil, além de funcionar também como centro de pesquisa e ensino. “Recebemos uma médica de Belém que ficou três anos aprendendo com a gente. Agora ela voltou pra lá a fim de montar um pequeno Graacc no Pará”, comemora o oncologista.

Recentemente, a entidade de Petrilli lançou a revista bimestral Sorria, cujo custo de produção é coberto por empresas parceiras. A totalidade do preço de capa – R$ 2,50 – é revertida para o Graacc, que já vendeu quase 1 milhão de exemplares, arrecadando mais de R$ 2,2 milhões. Assim, juntamente com recursos do Sistema Único de Saúde e quantias mensais doadas por mais de 60 mil brasileiros, a entidade oferece recursos médicos com tecnologia de última geração. Além de oferecer alojamento para a família do paciente durante o longo tratamento, o Graacc organiza oficinas de culinária e artesanato para as mães, ajudando a incrementar sua renda doméstica. “Estamos fundamentados na parceria entre universidade, empresas e comunidade. Cada um faz um pouquinho e assim conseguimos chegar a um grande resultado”, diz Petrilli.

CENTROAVANTE ROMPEDOR
Para o IEE, por sua vez, nada seria possível sem parceria, pois a manutenção dos núcleos pedagógicos onde atua só é possível graças à colaboração de empresas, outras entidades e prefeituras. “O espírito colaborativo faz a máquina se mover”, diz Ana. Definindo-se como um “centroavante rompedor”, ela quer “ocupar todos os espaços”. Sensibiliza instituições e é referência para as comunidades onde atua: “Mas estou longe de conseguir o que quero. A mídia só vê o esporte como competitivo e despreza seu caráter educacional. Mas temos o incentivo da Unicef, que nos apoia na Caravana do Esporte, uma aliança com a ESPN Brasil que leva o esporte para comunidades isoladas da região amazônica e do semiárido, povos indígenas e quilombolas”, conta, antes de Petrilli concluir: “Nós, brasileiros, somos insatisfeitos e agarramos as oportunidades. Há um verdadeiro transformador dentro de cada um de nós”.

Vai lá: www.graacc.org.br e www.esporteeducacao.org.br

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