Mariana Lima: Não dá pra ficar calada

por Redação

A atriz e produtora fala sobre política, casamento, drogas e a importância da televisão para enfrentar preconceitos

Mariana Lima está acostumada a fazer mergulhos profundos em suas personagens, que já exigiram de aulas no Carandiru a encontros no narcóticos anônimos durante a preparação. Os papéis polêmicos nunca lhe escapam e a atriz se prepara para estrear em duas produções da Rede Globo que envolvem debates ainda cercados por tabus, como drogas e homoafetividade. Ela está escalada para a novela das 9 "Um Lugar ao Sol", em que interpreta uma mulher que revê seu casamento ao se apaixonar por outra mulher, e protagoniza a série "Onde está meu Coração" ao lado de Fábio Assunção e Letícia Colin.

A atriz e produtora não se cala diante de nada. Fala sobre drogas, sexo, casamento e não se arrepende de expor seus posicionamentos políticos. No começo do ano, publicou um vídeo pedindo que o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, abrisse os pedidos de impeachment de Bolsonaro. "A gente está vivendo uma aberração política, não dá pra ficar calada", diz. "Se eu perco um seguidor por me posicionar, não me interessa. Não vou ficar conversando com uma pessoa que me manda à merda dizendo que eu sou comunista".

Casada há mais de 20 anos com o ator Enrique Diaz e mãe de duas filhas adolescentes, Mariana bateu um papo com o Trip FM sobre seu modelo ideal de casamento – ela e o companheiro escolheram viver em casas separadas –, a hipocrisia que cercam as drogas e a importância da televisão para escancarar os preconceitos. Ouça o programa no Spotify, no play abaixo ou leia um trecho da entrevista a seguir.

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Trip. Eu me lembro de ter ouvido você dizer que nunca pensou em casar, mas você está com o Enrique há mais de 20 anos e tem duas filhas. Eu vi aqui que vocês resolveram oficializar a relação, casar. Qual foi o clique que deu?

Mariana Lima. A gente nem casou oficialmente, fez uma comunhão de bens num cartório de Copacabana porque o Kike estava comprando um sítio com a irmã e os nossos bens tinham que ser separados. Mas a gente teve um casamento 20 anos atrás feito no quintal da casa dos pais do Kike, aqui no Rio de Janeiro. Nesse tempo enorme juntos foram vários tipos de acordos e de contratos de casamento. Agora a gente é casado, mas em duas casas. As meninas ficam um pouco aqui, por lá, eu fico lá e cá, ele fica lá e cá também. Na verdade eu sempre achei esse o modelo ideal de casamento. Eu dizia que eu não queria casar porque eu gosto muito de ficar sozinha, moro sozinha desde os 16 anos. Mas, depois que você tem filhos, não consegue estar sozinha. Então eu dizia isso nessa época, inclusive dei uma entrevista para a Trip falando isso, mas aí foi acontecendo e a gente foi virando um pouco aquele casal com dois filhos num apartamento em Laranjeiras. Nesse último ano a gente resolveu fazer de uma maneira em que cada um tem sua casa, que, pra mim, sempre foi o ideal de um casamento.

Numa entrevista para a Tpm em 2011, você disse que usou "todas as drogas imagináveis" e que pretendia conversar naturalmente com as suas filhas caso elas resolvessem experimentar drogas no futuro. Você fala com elas sobre tudo? Que tipo de papo você acha legal ter com adolescentes sobre drogas? Eu falo sempre que elas demandam essa conversa, não imponho essa conversa. Eu falo abertamente com as minhas filhas sobre isso, acho drogas um dos grandes assuntos que a gente não pode deixar de falar. A humanidade nunca deixou de consumir, produzir e se alimentar espiritualmente de drogas. Desde os primórdios dos primórdios, isso faz parte da nossa constituição. A gente quer isso. O açúcar é uma droga, o álcool é uma droga, remédios são drogas, assim como a maconha, a cocaína, o crack, existem diferentes tipos de drogas. Então, é preciso falar sobre o remédio que vem da planta, remédio que vem da maconha. É preciso dizer que a maconha serve pra alteração da consciência, mas ela também serve para uma série de outras coisas que hoje estão descobrindo e que nós estamos atrasadíssimos aqui no Brasil. Isso tudo eu falo. E digo sempre que existem drogas que são muito perigosas e que a maconha pode ser perigosa também. Então, sempre que elas quiserem falar comigo ou perguntar que tipo de reação você tem, que tipo de coisa acontece, e do que é que é feito isso, eu vou estar aqui, não só com a minha experiência, mas com tudo o que eu leio, pesquiso. Eu me interesso muito sobre esse assunto. Eu escrevi uma peça, Cérebrocoração, que é muito sobre isso, sobre o uso da droga que vem da planta, que provoca iluminação, do xamanismo até os remédios.

Em janeiro você fez um vídeo de apelo ao Rodrigo Maia, na época presidente da Câmara, para que ele atendesse aos pedidos de impeachment do Bolsonaro. Do jeito que o Brasil está polarizado, como foi essa experiência de expressar sua opinião? Você se arrepende? Não me arrependo. Pelo contrário, acho que a gente tem que fazer isso cada vez mais. A gente está vivendo uma aberração política, não existe ficar calada sobre isso. Eu fui pra rua pra tentar virar voto antes da eleição do Bolsonaro, para conversar com as pessoas, porque a gente já sabia que ia ser isso. O Bolsonaro nunca nos enganou. Ele estava prometendo fazer o que ele está fazendo. Não só ele, como Guedes, como o Salles. A gente sabe de onde vem essas pessoas e o que elas querem. E eu sou radicalmente contra o que elas querem e o que elas fazem. Então, se eu perco um seguidor, não me interessa. Eu comecei a bloquear pessoas. Com algumas eu discutia um pouquinho, mas outras eu bloqueava. Não vou ficar conversando com uma pessoa que me manda à merda dizendo que eu sou uma comunista. Não sou uma comunista.

Mas eu tive que fazer um acordo comigo mesma em relação ao que eu boto pra fora no mundo porque não quero promover mais a imagem dessas pessoas no Brasil. Eu falo contra, mas eu não discuto diretamente com eles, exceto neste momento em que eu comecei a falar diretamente com o Rodrigo Maia, porque é uma função que a gente deveria fazer mais, falar diretamente com essas pessoas que estão no poder nos representando e que devem a nós uma explicação. Naquela época existiam 45 pedidos de impeachment, hoje são mais de 100. E eles continuam. Então a gente tem que cobrar. Eu não acho que essa CPI da Covid aconteça só porque a gente chegou no limite social e político. Ela é feita também dessa pressão social e eu não vou parar de fazer isso. Não tem como não se posicionar politicamente quando vem uma Regina Duarte ou um Mário Frias como secretários da Cultura, falando atrocidades, atrocidades sobre o que a gente está vivendo, sobre a ditadura. Assim não dá, não dá para ficar quieto.

Na próxima novela que você vai fazer, sua personagem é casada com um homem e acaba se relacionando com uma mulher. Até pouco tempo atrás se estava discutindo se podia ter um beijo gay na novela. Ao mesmo tempo tivemos no Big Brother aquele beijo gay – que gerou uma loucura e um dos participantes acabou pedindo pra sair – e agora existe um projeto para proibir publicidade com casais gay. Você acha que esse casal na novela tem uma função de distensão desses tabus ou não tem jeito, a nossa sociedade vai ser tosca pra sempre? Não, acho que não. A sociedade pode segurar essa hipocrisia durante muito tempo, mas o mundo é gay, sempre foi. Você vê um casal se beijando e fica muito chocado? Por quê? Isso é reflexo de uma sociedade que se reprime, que é extremamente repressiva. Então sim, é claro que a televisão vai responder essa repressão. O que eu estou dizendo é que isto faz parte do nosso padrão de comportamento. Você pode olhar e falar: “Eu não quero mais ver isso”. Você pode não querer ver, mas isso está acontecendo. Então como é que a gente faz pra falar disso sem impor uma coisa que a pessoa não está querendo ver?

No caso da novela, minha personagem é casada com um homem maravilhoso, interpretado pelo Marco Ricca, vão acontecer uma série de coisas na nossa vida como casal e, pela primeira vez, essa mulher vai se interessar por uma outra mulher, que vai ser a Natália Lage. Nenhuma delas é assumidamente gay. Isso vai ser uma questão para minha personagem assumir. Acho que com isso, por esses nossos argumentos, vamos ajudar as pessoas que se sentem dilaceradas porque seu filho ou sua filha é gay ou ajudar quem está sentindo uma atração por uma pessoa do mesmo sexo a trabalhar essa essa repressão – porque é uma repressão. Como disse nosso maravilhoso Drauzio Varella em um vídeo há muito tempo atrás: “Por que te afeta tanto que o seu vizinho namora um outro cara? Onde é que isso te deixa tão nervoso que você não consegue viver porque o seu vizinho ou o seu filho tem um envolvimento com uma pessoa do mesmo sexo?”. Temos que olhar para isso, é uma questão de saúde mental pública, assim como a droga.

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Imagem principal: Divulgação

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