A leveza do pai separado

por Ana Luisa Torres

A separação é uma lupa de aumento nas diferenças entre maternidade e paternidade, que por sua vez são uma lupa de aumento nas diferenças entre homens e mulheres

Dos criadores de "a leveza da paternidade", veio aí "a leveza do pai separado". Também podemos chamar de "a leveza do homem", já que "pai separado" é um aposto de impacto quase insignificante nas possibilidades masculinas. E do alto dos meus privilégios, nem vim aqui falar do pai que não paga pensão e que desaparece do mapa. É daquela pessoa suficientemente decente, mas que jamais vai enfrentar uma fração das dificuldades sociais, psicológicas e afetivas da mãe separada.

Não vou entrar no aspecto da carga mental relativa à subsistência da criança, porque hoje estou generosa e facilitando. Aqui fingimos que está superada essa assimetria onipresente – que obviamente é acentuada na separação. Questões de pensão também vamos supor resolvidas, para isolar o exercício dessa pensata. 

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Vamos falar sobre perspectivas: de novos relacionamentos, da reconstrução da vida social. Quando a gente termina um relacionamento que romanticamente estava esgotado, de alguma forma, é natural procurar "o lado bom": a emoção da paquera é iminente, assim como o frio na barriga do flerte. 

Que gostoso, né? Pro pai separado, é claro. A mãe mal sente esse gostinho para já ser esmagada com a realidade. Flertes? Só se for com alguém compreensivo, empático, de bom caráter, ótimos valores. Não dá pra desperdiçar tempo e energia, ambos muito escassos, numa aposta errada. Preciso acertar. Precisa ser "o" cara. E mesmo assim – meus filhos vão perceber? Como vão reagir? Como em quase tudo na maternidade, a leveza possível na versão paterna se contrapõe a uma nova pressão.  

E a vida social, então? 

Para a mãe, envolve pensar estrategicamente como usar seus finais de semana "livres" para chegar no rolê e ouvir perguntas como "com quem está seu filho?", "você não fica com saudade?" e afins. Envolve buscar a medida entre responder e não monologar sobre a criança, já que quem não tem filhos tem um interesse bem limitado no tema. 

Para o homem, é sobre passar dias sem lembrar de perguntar como a criança está, com a tranquilidade de que está tudo certo, está com a mãe. E se ocorrer de ele mostrar fotos da criança no rolê, fofo!, é ponto pra ele. 

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É difícil editar exemplos ilustrativos das 1001 diferenças de pontos de vista do "depois". Para mim são muitos, são quase todos. Como criar coragem para pedir pra eventualmente trocar finais de semana? Como ouvir a criança chorar para dormir na sua casa, mesmo que se dê bem com o pai, porque obviamente o vínculo com a mãe é maior?

A separação é uma lupa de aumento nas diferenças entre maternidade e paternidade, que por sua vez são uma lupa de aumento nas diferenças entre ser mulher ou homem. Ainda assim, não escolheria ser o pai – vim nessa vida pra ser uma pessoa daora, e certamente ser mãe me desafia a ser cada vez mais. Mas que dói ser diariamente esmagada pelo peso dessa assimetria, dói. E dá vontade de experimentar, pelo menos por um dia, a leveza do pai separado. A leveza da paternidade, a leveza do homem.

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