por Luara Calvi Anic
Tpm #92

Ela é feia. Ele, charmoso. Por que a feiura pesa mais, muito mais, sobre a cútis feminina?

Olhe bem para Hebe Camargo. Ela não é exatamente uma Gisele Bündchen. Nem poderíamos exigir tanto da apresentadora octogenária. Mas Hebe Camargo, com suas madeixas louras, seus diamantes de infinitos quilates e os figurinos muito bem assinados, tem boa aparência. Com as devidas “proporções”, qualidade tão citada nos classificados dos jornais. Exige-se boa aparência para recepcionistas, babás e por aí vai. O mesmo não acontece com motoristas e porteiros. Basicamente porque mulher, mesmo se for competente, precisa ser bonita. E homens, bem, até os mais feios são considerados, no mínimo, interessantes.

Atualmente, enquanto a mulher se torna “velha” e “feia”, homens nem tão bonitos nem tão jovens ganham compensações como “calvo, porém charmoso”, “barrigudo, mas sexy”. O músico Marcelo Camelo e o ator Adrien Brody são os reis dos feios-bonitos. Numa eleição informal (leia box), eles ganharam a briga. Se aplicados os mesmos critérios usados para eleger uma mulher bonita, eles estariam longe do título de semideuses. Um bom exemplo para essa diferença no olhar está mensalmente nas páginas desta revista. Dos 182 ensaios femininos realizados pela Trip (irmã mais velha da Tpm) em 23 anos, apenas oito mulheres tinham mais de 30 anos. Em contraponto, 80% dos ensaios masculinos feitos pela Tpm em oito anos de revista foram com homens que já tinham completado três décadas – ou mais.

Seja mulher, seja bonita!
Não ouvimos um “eu sou feia” ao entrevistar mulheres consideradas exóticas, ou fora dos padrões, como por exemplo a cantora e modelo Geanine Marques, musa do estilista Alexandre Herchcovitch. Difícil. Ao mesmo tempo, foi facílimo ouvir a sentença de dois homens feios, porém charmosos, inteligentes. O músico Wander Wildner, 50, autor do disco Eu Sou Feio. mas Sou Bonito!, acredita na beleza além da estética. “Sou feio segundo os padrões, mas me acho lindo!” Para ele, não existe mulher feia. “As pessoas se deixam levar por um conceito de beleza que é pura enganação”, garante. Em uma das canções do disco, o gaúcho faz uma ode ao direito de ser banguelo por fora e elegante por dentro: “Carrego dentro de mim a fina estampa, que os meus tortos dentes não mostram. (.) Não vou gastar meu dinheiro no dentista pra te agradar, não vou colocar dentadura postiça só pra te conquistar”.

Jorge Espírito-Santo, 46, gerente artístico do GNT e conhecido por estar sempre acompanhado de belas mulheres, também não tem medo de assumir a feiura – ou o charme. Para ele também não existe mulher feia, “no fundo, quem está se achando feia anda mal-amada, mal arrumada e com problema de autoestima”, escreve no texto ao lado. A historiadora Mary Del Priore, autora de Corpo a Corpo com a Mulher, acredita que a tolerância feminina à feiura tem a ver com uma questão demográfica. “No Brasil nós temos um número maior de mulheres do que de homens. E, quando você tem dez mulheres para um homem, se esse homem é feio ou bonito não faz tanta diferença”, acredita. A psicanalista Joana de Vilhena Novaes estuda a relação da mulher com a beleza – ou a falta dela – há mais de dez anos. Coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza, da PUC-Rio, ela sentencia: “Para a mulher, ser feia é o que há de pior. É estar totalmente fora do páreo”. Para o homem, essa não é a principal questão. “Sou feio, mas conquisto. Tenho humor, inteligência e charme.”

A partir da visão simplista de que ser magra e bela está ao alcance de todos, a censura aos que estão fora desse padrão passa a ser um preconceito socialmente aceito. Desde pequena você já sabe: “Não se nasce mulher, se aprende a ser mulher”. Sua mãe, indiretamente, parafraseou Simone de Beauvoir enquanto te presenteava com uma maquiagem de brinquedo ou com uma Barbie – representação absoluta do que é ser bela, leia-se magra, esguia e loira.

Desde sempre, mulher é sinônimo de beleza. E, se você é feia, deixou um pouco de ser mulher. Parece até que a natureza não tem nada a ver com isso. E que ter olhos azuis, enfim, é uma questão de escolha. “O mérito atribuído à beleza tornou-se um dever moral. O fracasso não se deve mais a uma impossibilidade mais ampla, mas a uma incapacidade individual”, escreve Joana de Vilhena Novaes em seu livro O Intolerável Peso da Feiura. “Na mulher qualquer desleixo com a aparência é visto como incompetência. A feia é menos mulher, é como se faltasse alguma coisa. Faz parte do feminino aprender a ser bonita, a se cuidar”, completa.

O chavão “toda mulher gosta de se sentir bonita” não é nenhuma mentira. E o questionável, aqui, não é o prazer de cuidar da aparência – e sim quanto isso se tornou uma obrigação e, entre outras coisas, a causa direta de inúmeras doenças ligadas à imagem. Afinal, o modelo de beleza é único. E, se todo mundo pode ser bonita, magra e jovem se assim o quiser, por que o número de anoréxicas, obesas e insatisfeitas com a própria imagem não para de crescer?

Quando Astrid Fontenelle ainda estava na MTV, em meados de 1990, viu de perto uma mudança no padrão de beleza das apresentadoras. Os castings passaram a buscar meninas bonitas com alguma inteligência e certo charme. Astrid sempre soube não ser uma mulher linda. Sabia que era bonita, mas não dentro daquele padrão. “Vendo essa mudança acontecer, trabalhei para ser a mais carismática e inteligente do pedaço”, lembra. O que não quer dizer que a apresentadora não tenha se dobrado a alguns padrões da televisão. Ao longo dos anos, deixou os cabelos mais claros e lisos e ainda botou um aparelho dentário. “Cansei de ser só a mais inteligente. Aprendi a não ter medo de tentar ser mais bonita. Não pra parecer falsa ou mais jovem, mas pra me sentir melhor”, conta.

A ex-jogadora de basquete Hortência é um caso clássico de quem trabalhou para ficar mais bonita. Uma das melhores de sua geração, se sente mais bonita agora do que na época em que arrasava nas quadras. “Nunca precisei da minha beleza pra me sentir bem ou confiante. Era sempre elogiada pela minha atuação no esporte. Mas hoje tenho mais tempo pra me cuidar.” Hortência revela que nunca fez plástica no rosto e visita a academia todos os dias. “Não sou neurótica, mas o meu dia só começa depois da ginástica.”

Antes de a indústria cinematográfica dar as cartas, ou seja, decretar o que é “uma linda mulher”, a literatura não definia exatamente tal coisa. Falava-se da elegância, da postura, das joias e das roupas, mas não ficava claro se os personagens eram loiros ou morenos, gordos ou magros. O máximo a que se chegava eram aos “pés e mãos pequenos”, das personagens de José de Alencar, e aos “olhos de ressaca” (que não se sabe exatamente o que significam), da Capitu de Machado de Assis. “A elegância feminina era sinônimo de beleza, então não havia essa obsessão por um padrão único. À medida que somos bombardeados por imagens, com o aparecimento das grandes divas do cinema, esses paradigmas vão se consolidando”, explica Mary Del Priore. Ou seja, quando se define o que é bonito, automaticamente tudo que é oposto passa a ser considerado feio.

Hebe Camargo está bem colocada no padrão “loira” e Gisele Bündchen no “alta e magra”. “Eleger mulheres louras como belas não deixa de ser masoquista. É uma loucura um país formado por crianças afrodescendentes ter animadoras de programas infantis que sejam 100% louras. Imagine o efeito que isso faz na autoestima dessas crianças”, finaliza Mary. Não só na autoestima de crianças e jovens, como na de mulheres que só enxergam beleza no que está nas capas da maioria das revistas.

É dos feios que elas gostam mais!
O nariz é grande e com cravos, a barriga saliente e as olheiras escorregam até o pescoço. Alguns têm barriga e orelha de abano. Mas são tão lindos. Não exatamente pela aparência, mas pelo olhar, inteligência, pelo jeito como dão uma coçadinha, de leve, na barba por fazer. Inspirada pelos feios mais lindos do planeta, Tpm fez um concurso informal para eleger homens que têm uma feiura cheia de poréns. O vencedor internacional foi o narigudo Adrien Brody, ganhador do Oscar em 2003 por sua atuação em O Pianista. No Brasil, Marcelo Camelo foi o mais citado. “Nunca me achei feio, assim feião, sabe? Todo mundo acostuma com a própria aparência e tende a se achar normal, nem bonito nem feio. Eu sou meio diferentão, mas sempre achei minha graça”, diz o músico, ex-vocalista e guitarrista da banda Los Hermanos. O ator José Wilker, também citado pelas leitoras que já passaram dos 30, sabe que beleza está além de um rosto bonito: “Talvez eu tenha sido eleito pelas coisas que falo, não pela minha beleza”, palpita.

Os mais citados no concurso de feios, porém bonitos:

Beleza paga

Por Denise Gallo*

Dia de escrever minha coluna para a Tpm. Mal começo e o telefone toca. Telemarketing de banco. Como sempre, digo que não estou interessada. A resposta é de uma surpreendente cara de pau: “Não é natural que a senhora não esteja interessada em um produto que ainda não conhece”. Respondo que para mim é muito natural e desligo, agradecida pela inspiração para a coluna.

Esta é a lógica do consumo: conhecer, experimentar e descobrir que a vida não é vida sem aquilo que, até ontem, não fazia a menor falta. Meus pés, por exemplo. Sempre estiveram ali, cumprindo sua função, sem fazer feio. Até que eu disse sim à pedicure. Ela lixa, corta, cutuca, passa um esmalte vermelho incrível e, a partir desse dia, quando não passarem pelas mãos de Dora, a pedicure, serão pés de uma pessoa desleixada, descuidada, deprimida. Assim, até o fim da vida, terei gastado aproximadamente 2.400 horas só nesse procedimento.

No território movediço da aparência feminina, esse ciclo se repete num ritmo de dar vertigem. Só no mês de setembro, 678 novidades de beleza foram anunciadas nas principais revistas femininas. E, como o “natural” é estar interessada em aprimorar a aparência, novas rotinas abocanham mais tempo e dinheiro de presas fáceis como nós, mulheres adequadas.

A centralidade da aparência na existência feminina jamais foi desestabilizada pela busca de outras realizações. O historiador e crítico de arte John Berger escreveu que a mulher está sempre acompanhada pela imagem que tem de si, dividindo-se internamente em vigilante e vigiada, para tomar conta de como aparece no mundo. Meninas pequenas são empetecadas e – “que gracinha!” – aprendem que o caminho para agradar o auditório passa pelo invólucro que as embala. Invólucro que será para sempre modificado, seguindo os padrões das editorias de beleza.

“Hoje em dia há jeito para tudo”, ouvirão aquelas que não cumprirem seu papel social de serem belas. Inadequadas ou livres? O desinteresse crescente por tudo o que leva à boa aparência pode ser uma delícia e um alívio. Depois de dar cartão vermelho à vigilante que há em nós, milhares de horas poderão ser mais bem aproveitadas. Adeus a Dora e 1.200 idas ao cinema farão muito melhor à minha alma.

*Denise Gallo, 39, é sócia da Uma a Uma, empresa de inteligência de mercado especializada em comportamento feminino: blog.umaauma.com.br . Seu e-mail: denise@umaauma.com.br

 

Não existe mulher feia
Um “feio-charmoso-e-inteligente” disseca a relação da mulher com a beleza

Por Jorge Espírito-Santo*

Vai longe a época em que o poeta disse: “As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”. Tão longe que já deu tempo de as feias oferecerem o seu perdão e de as belas tentarem saber quem era esse tal poeta. Na verdade não existe mulher feia. Porque, mais do que beleza, o que se espera de uma mulher é que ela tenha aquela coisa que deixa a gente sem saber se vai pra direita ou pra esquerda, o tal do borogodó. Vocês sabem do que eu estou falando?

Ainda para melhor entendimento, poderia fazer uma lista de mulheres que têm de sobra esse borogodó. Mas corre o risco de ela ficar tão extensa que acabaria invadindo outras seções desta Tpm, que, por sinal, foi editada por uma convidada que serve bem para abrir a lista.

É claro também que, às vezes, um tratamento de beleza com os cremes certos, um cabelo bem tratado, com uma pele boa, tudo isso coroado com um figurino que favoreça, ajuda. Não precisa chegar ao ponto de um “extreme makeover”, um processo radical de transformação, daqueles que quando a pessoa se olha no espelho nem se reconhece mais. Porque, no fundo, quem está se achando feia anda mal-amada, mal arrumada e com problema de autoestima.

Se você é homem (não importa se do tipo charmoso, cheiroso, bon-vivant.) e não concorda muito com o que estou dizendo, pensa um pouco naquela balada em que você chega, olha o ambiente e acha que está fraco, não tem mulher bonita. Lá pelas quatro da manhã e com o teor alcoólico em alta, o foco começa a mudar. Aquela que era caída, pensando melhor, não é tão ruim assim… Às vezes acaba convencendo a menina a passar as próximas horas ao seu lado. Quando o sol bater na janela do seu quarto, você já pode ter mudado de ideia e começa a duvidar do que disse o poeta lá de cima – ainda mais se a performance da sua companheira surpreender. Aí, então, entende que realmente a beleza está nos olhos de quem vê.

* Jorge Espírito-Santo, 46, é gerente artístico de conteúdo do GNT. Jorjão é idealizador do Happy Hour, programa que Astrid Fontenelle apresenta

 

Edição Nina Lemos
Colaborou Bruna Bopp
As imagens das Barbies foram alteradas graficamente

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