por Natacha Cortêz

Dona de uma personalidade inquieta, a grafiteira paulistana transforma seu redor através da arte e de atitudes

A grafiteira Veronica Amores, a V, é paulistana, nasceu perto do antigo Carandiru, foi registrada na Brasilândia e por lá passou parte da infância. Depois, viveu nos bairros da Pompéia e Alto da Lapa. Foi quando seu pai sofreu um assalto e levou um tiro. A violência sofrida na época fez com que a família migrasse "pro meio do mato", em uma casa em Cotia, município vizinho. Atualmente, aos 33, V vive em um sítio em Embu das Artes, em uma área de preservação ambiental de Mata Atlântica. "Cresci e vivi no meio da natureza, meio sozinha, sem crianças na rua, imaginando um mundo muito próprio. Achava que podia encontrar uma passagem secreta, uma ruína, algo precioso e esquecido, brincava de comidinha, casinha, construía casas de madeirite velha que encontrava por aí. E desenhando, desenhando, desenhando. Sempre.”

Por meio do grafite ela expressa sua história com a metrópole onde nasceu e cresceu. Escreve e pinta indignações que sente com a intenção de mudar e melhorar seus espaços, principalmente aqueles que mais a afetaram na infância. Volta todos os dias à periferia e dela não abre mão. Sua relação com a arte e a forma como a usa em regiões carentes e periféricas de São Paulo foi construída juntamente com sua própria história.

 

"Os bairros periféricos não têm urbanismo, praças, parques, o poder publico só vai mais em época de eleição, ou através do poder repressivo da polícia. Aí você chega num local assim, tudo meio inacabado, improvisado, e faz um grafite"

 

As intervenções que faz não se restrigem às ruas. É porta-voz de uma postura questionadora e inquieta, até mesmo na profissão que escolheu pra se manter financeiramente. Junto com a mãe e a irmã administra uma marca de lingerie, a À Dor Amores. A empresa é extensão da personalidade que tem. Construída a três pares de mãos, tudo nela é artesanal, feito em casa e de administração familiar e "orgânica".

Uma "faz de tudo", V é workaholic por vontade e "tesão". No tempo que sobra entre o grafite a marca de lingerie, ainda estuda Design, participa da organização de eventos de skate, de festas de amigos e do que mais aparecer e ganhar seu coração. Esse é o segredo, "amar o que faz. Assim não tem como cansar, nem dar errado", diz.

A Tpm conversou com a artista, empresária, falante, transformadora e insatisfeita, que nos contou de  seus caminhos até agora, do grafite e de seus planos pra daqui em diante.

Tpm. Desde quando grafita? Como o grafite entrou na sua vida?
V. Comecei as fazer arte de rua em 2006, colando lambe-lambes nas ruas do centro de São Paulo. Não conhecia ninguém da cena, olhava e pensava "como eu faço pra poder colar também, pra estar aí?" Mas vi que era só fazer, chegar. Colagem é uma coisa muito linda, ação rápida, qualquer um pode fazer, não é caro. Pode ser uma arte impressa, feita à mão, sobre jornal, papel de seda, papel sulfite. Eu usava jornal no começo e papel de seda. Fui fazendo uns lambes cada vez maiores, até que o papel já não bastava e fui direto pros muros. E virou graffiti. Com o tempo conheci pessoas do meio. Desde o começo eu queria usar spray, queria aprender, dominar a ferramenta. Não uso pincel, só rolinho e spray. Minha técnica não é a mais virtuosa, mas para o objetivo que quero, para o meu estilo de arte, uma coisa mais vetorial, que não busca algo realista e figurativo, está ótimo.

Quais são suas inspirações e referências para grafitar? Quando penso nas referências pra minha arte é estranho, pois nunca tive uma escola que segui, ou um artista Pelo menos não conscientemente. Mas sei que tudo o que eu tive acesso e vi e vejo, e sinto vira minha arte. Meu pai sempre foi apaixonado por arte sacra, viajávamos pra cidades históricas do Brasil de carro, sempre atrás de igrejas e museus. E tem as coisas que eu acho lindas como o estilo Art Decó, desenhos dos anos 1920 e 30, o estilo Barroco, arte Bizantina. Sei que tudo isso vira matéria orgânica pra minha alma e produção. Outra coisa que aconteceu recentemente de uns três anos pra cá foi o contato com arte oriental. Fui em um templo tibetano e vi que muito do que eu desenhava era parecido com o que estava pintado nas paredes do templo. E eu nunca tive acesso a esse estilo de arte, mas estava fazendo algo muito igual. Fora esses elementos que me enchem os olhos, acho que o que mais me impulsiona criativamente é o amor, que pra mim é a força criativa primordial. E tudo que gira em torno dele. O estudo sobre a física quântica também me trouxe muita inspiração. Gosto de pensar no universo como um fluxo constante de energias, então elas estão sempre nos meu trabalhos.

E sobre seus temas, seus desenhos e personagens? Criei um personagem chamado BB Sereia, que é uma sereiazinha que não nada, somente voa, por isso entram elementos celestes no meio como as estrelas e as nuvens. As nuvens são um elemento muito forte no meu trabalho, são nuvens de amor infinito. Elas chovem todo o tipo de coisas do coração. Outros elementos que surgem, vem e vão, são as teias dos medos e desejos, os espelhos que refletem o outro lado da mente, as joias, diamantes, pérolas, pedras preciosas, que são as coisas valiosas que existem dentro da gente.

 

"É algo quase subversivo, porque tem o poder de fazer as pessoas que passam pelo local, normalmente tão esgotadas pela rotina de trabalho, pela luta pra sobreviver, terem uma pausa. O grafite e a cor tem o poder de arrancar da pessoa um segundo da realidade dela, e levá-la a um mundo onde tudo é possível"


Vi fotos de seus grafites em comunidades carentes. Por que os fez nelas? Existe algum trabalho ou projeto seu com elas? Pintar em comunidades carentes é sempre especial, tem muito mais força. Nesses locais praticamente não chega arte, essas coisas ficam mais em bairros ricos. Os bairros periféricos não têm urbanismo, praças, parques, o poder publico só vai mais em época de eleição, ou através do poder repressivo da polícia. Aí você chega num local assim, tudo meio inacabado, improvisado, e faz um grafite. Põe cor e forma num muro, numa parede. É algo quase subversivo, porque tem o poder de fazer as pessoas que passam pelo local, normalmente tão esgotadas pela rotina de trabalho, pela luta pra sobreviver, terem uma pausa. O grafite e a cor tem o poder de arrancar da pessoa um segundo da realidade dela, e levá-la a um mundo onde tudo é possível, o mundo da arte, como se fosse uma espécie de portal.

Houve alguma intervenção que te marcou? Teve uma vez, já há alguns anos, pintei em uma viela perto da Avenida Sabin no Capão Redondo, com outros grafiteiros,e era um lugar bem escuro e estreito, dava uma sensação ruim passar por lá. Depois que pintamos, foi absurdo, a transformação foi brutal. De alguma forma mudou o lugar.

E sobre as aulas realiza nas comunidades? Já ministrei aulas de grafite pra jovens em liberdade assistida no Jardim Ângela, oficina de Toy Art de tecido pra crianças e jovens no Capão Redondo e recebi recentemente um convite pra montar e ministrar uma oficina de grafite em uma escola da rede estadual de ensino aqui em São Paulo. Tudo sem custo pra eles. E tudo idealizado e organizado por mim.

Desenha com outras técnicas também? Amo desenhar em papel, com caneta nanquim. Acho que é o que eu mais gosto. Depois é pintar em parede. Tela eu acho o mais difícil, eu acabo sujando tudo, é um esforço e tanto pra mim. Tenho pintado algumas telas, recebido encomendas, é lindo quando fica pronto, mas o processo é sofrido. Não porque não goste, acho que porque eu sou sujona.

Por que o grafite? Ele te escolheu, você o escolheu? Pintar na rua pra mim é sempre um desafio, uma missão. No momento que eu vejo arte minha na rua, me sinto viva, sinto que tenho meu lugar no mundo. Acho que eu e o grafite nos escolhemos. Era como tinha de ser.

E qual é a mensagem que quer passar com ele? Na minha arte está impressa minha alma, a busca pela felicidade, pelo auto conhecimento, pela minha evolução. Então acabo propondo isso às pessoas que a vêem, como se fosse um espelho, só que invertido.

Como escolhe os lugares que vai grafitar? Engraçado que o tempo todo eu estou procurando, andando de ônibus, a pé, de carro. Já é algo automático. Eu nem penso mais. Não tem muito critério na escolha, mas no geral gosto mais de pintar em lugares abandonados, decadentes, pra contaminar um pouco de vida, subverter sua sina.

E a À dor amores? Sou sócia, juntamente com minha mãe e minha irmã mais velha. É uma marca incrível de lingerie. Uma coisa linda, forte, na verdade é muito mais que uma marca, é puro amor, paixão. Minha irmã, Marcita é a estilista e costureira, cabulosíssima, e nossa mãe, Margarida, nossa musa máxima, modelista e costureira luxuosa. Eu sou um pouco de tudo na marca, faço vendas, sou modelo, mas oficialmente cuido da parte de comunicação.

Quanta coisa. Faz algo mais profissionalmente? Também trabalho em uma festa em São Paulo, a Talco Bells, que uma amiga promove. Trabalho em eventos de skate que uns amigos produzem, faço um pouco de tudo. Mas de uns tempos pra cá estou focando mais na empresa e na minha produção artística.

Acredita que suas atitudes na vida até agora são transformadoras? Sim, acredito nas minhas pequenas transformações diárias. Não somente com minha arte mudando o padrão vibratório de algum lugar, mas  quando ela muda minha vida ou a vida de alguém que a vê quando passa. E acredito nas micro revoluções. Acho que elas vêm do exemplo. Quando você faz algo pensando não só no próprio benefício, tentando agregar a algo que seja maior que seu mundinho. E sou vegana há seis anos, isso pra mim é a minha maior revolução, minha maior atitude transformadora. Ter coerência entre meus sentimentos de justiça por todos, posto em prática, sejam humanos ou de outra espécie.

E tem planos daqui pra frente? No fim deste ano farei minha primeira exposição individual, e quero que seja bem especial, com muitas coisas bonitas. Não sei o quanto atingirá os outros, mas acredito que será transformadora pra mim, e pra quem eu comover. Esse é o único plano por agora. No mais, uma coisa de cada vez, mesmo que eu arrume muitas delas pra realizar.

Vai lá: mundov.tumblr.com / veronicamores.blogspot.com.br

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