por Milly Lacombe
Tpm #99

Ex-miss Brasil, hoje ela discute futebol com boleiros na TV sem perder a dividida

Aos 32, a gaúcha Renata Fan prepara-se para sua segunda Copa do Mundo e começa a deixar marcas na maneira como mulheres se relacionam profissionalmente com o jogo.

Quando era pequena, Renata não gostava de apanhar de pantufas. O problema não era a surra. “De pantufa é muita humilhação, vai”, disse dentro do carro que nos levaria ao restaurante paulistano onde almoçaríamos. “Dizia para minha mãe: ‘Se vai bater, bate direito’.” Essa é a história que eu contaria sobre Renata Fan se tivesse apenas um parágrafo. Como tenho mais espaço, vamos às outras.

Primeiro, a mais óbvia: trata-se de uma mulher tremendamente alta – 1,79 metro, mais o invariável salto cinco. A segunda é que ela talvez seja a pessoa que mais fala no mundo – certamente é a pessoa que eu conheço que mais fala. “Às vezes estou no telefone com meu irmão: ‘Rafa, tô chegando em casa, te ligo de lá. Só vou colocar gasolina’. Ele me liga depois de 20 minutos e eu ainda estou no posto, falando com o frentista.”

Rafael é irmão, agente e empresário. Nasceram em Santo Ângelo, cidade do interior do Rio Grande do Sul a 400 quilômetros de Porto Alegre. Paulo, o pai, é formado em veterinária e direito e trabalha como advogado de uma cooperativa na cidade de 80 mil habitantes. A mãe, Ana, é professora de inglês e de português. Renata e Rafael foram criados para se tornarem pessoas livres e opinativas. “A gente ficava vendo o Jornal Nacional e meu pai perguntava: ‘O que você achou dessa notícia?’. E eu dizia: ‘Nada’. E ele: ‘Como nada? Não pode achar nada’.” Renata não demorou a formar opinião sobre tudo. “Tinha 14 anos quando, durante a aula de religião, disse que era a favor do aborto. Pronto, irmão Alécio me deu nota seis. Passei anos amaldiçoando aquele homem. Meu boletim era lindo e ele manchou”, diz, rindo.

Um dia, o pai, torcedor do Internacional, chegou em casa com uma camisa oficial para Rafael. O menino tinha uns 7 anos e, ao ver a camisa, jogou no chão e disse que não queria. Renata pegou a camisa do chão, vestiu e disse: “Olha, pai, sou Inter”. E passou a acompanhar os jogos com o pai e com Rafael, que rapidamente cedeu ao encanto colorado.

Depois disso, tentou jogar bola. “Eu era um horror, então meu irmão me explicou as regras e comecei a apitar.” O problema começava quando o jogo estava calmo e o juiz não tinha função. “Não suportava não ser notada e inventava uma falta.”

A paixão pelo Inter é tão forte que nem mesmo o primeiro encontro com Átila Abreu, o namorado, conseguiu sufocá-la. “Ele me ligou para convidar para um café. Fui tomar o café e depois pedi para ele me levar para casa porque tinha um jogo do Inter. E ele: ‘Vou ver com você’. Gelei. ‘Ah, não acho uma boa ideia, não vou te dar nenhuma atenção.’” Mas Átila subiu e ficou quietinho vendo aquela mulher enorme gritar com o aparelho de TV. “Sou over em tudo, tenho mão grande, pé grande, falo exageradamente, então aprendi rápido que não podia me esconder da vida.”

Quando notou que era muito mais alta do que as amigas, Renata começou a culpar a geladeira da casa dos pais. “Todo dia eu dizia: ‘Por que estou passando essa geladeira?’. Fui ficando com ódio dela. Até que um dia minha mãe trocou a geladeira por uma mais nova e mais alta e eu fiquei menos irritada.”

Átila, que vive em Sorocaba e é piloto da Stock Car, vem a São Paulo com frequência para matar a saudade da namorada, que mora sozinha e adora se entocar: “Meu negócio é ficar em casa lendo ou vendo um jogo na TV”. Na prateleira, livros que marcaram: As Mil e Uma Noites, Lolita, clássicos nacionais.

Magrela teimosa

Depois do ímpeto verbal, a teimosia e a competitividade são características dominantes. Foi assim quando acabou conseguindo, por acaso, uma chance para fazer o programa Terceiro Tempo, na Record, como assistente do apresentador Milton Neves. Tinha acabado de chegar a São Paulo para fazer jornalismo, em 2003. “No primeiro dia, o Edu [Zebini, ex-diretor de esportes da emissora] disse: ‘Escolhe um time de São Paulo para torcer’. Aí, no ar, o Milton perguntou meu time e eu disse que era o Inter. O Edu ficou doido comigo e desandou a gritar. E nisso o Milton ia dizendo: ‘Inter? Então escala o melhor Inter que já viu’. E fui escalando vários porque eu realmente sabia.”

Zebini e Renata se viram pela primeira vez quando ela foi com uma amiga conhecer os estúdios da Record e acabaram visitando o camarim de Milton Neves, onde estava Zebini. Na parede, fotos de vários jogadores e ex-jogadores. Renata foi falando o nome de cada um deles. O executivo ficou impressionado e disse a Milton que a contrataria para fazer o programa com ele, ao que Milton teria retrucado: “Ah, não vai dar certo, muito magrela”.

A magrela foi contratada para distribuir brindes dos patrocinadores no programa. No dia que soube o que faria, Renata pensou: “Em pouco tempo não estarei mais entregando brindes. Ele não me conhece”. E foi Milton que começou a chamar Renata para o jogo. “Ele perguntava de sopetão: ‘Alguém sabe quem apitou a final do Gauchão de 96?’.” E Renata dava a resposta. “Ué, eu sabia mesmo”, diz ela rindo. “O meio do futebol é machista, as pessoas tentam testar você a todo instante.” Sobre Milton, ela diz: “Ele é muito inteligente, aprendi demais com ele, mas cada um seguiu seu caminho”.

O choque de ver aquela loira exuberante falando com propriedade sobre o jogo foi arrebatador. Em pouco tempo, Renata já estava apresentando alguns programas como substituta, e, em 2007, a Band a levou para ser âncora do Jogo Aberto, diariamente às 11h30. Além disso, às quartas, ela encabeça o Apito Final, um resumo da rodada. Desde que assumiu o Jogo Aberto, a audiência só faz crescer.

“O meio πo futebol é machista. As pessoas tentam testar você a todo instante”

Renata tem experiência com o sucesso. Foi assim quando, aos 18 anos, entrou em seu primeiro concurso de beleza, em Santo Ângelo. “O concurso dava um carro e me empolguei”, lembra. Minha mãe dizia: “Entra sabendo que é brincadeira e que não vai ganhar”. Mas ela ganhou. Entrou em um segundo e levou um segundo carro. E foi assim, entrando em concursos e ganhando carros, até perder pela primeira vez. “Fiquei arrasada. Achei que era entrar e ganhar.” Mas ela gostou da brincadeira e, em 1999, foi eleita miss Rio Grande do Sul e, depois, miss Brasil – um 12º lugar no Miss Universo, entre 99 participantes. “Começou como farra, mas fui longe, né?”

Rainha da previdência

O amigo, comentarista e ex-jogador Neto diz que Renata é uma tremenda pão-duro. Ela ri. Seu primeiro emprego foi em uma rádio FM de Santo Ângelo. O salário era de R$ 720. Pegou o dinheiro e foi abrir uma conta no banco. O gerente disse que ela deveria juntar três salários para abrir uma conta. “Quando consegui, decidi fazer minha primeira previdência privada. Hoje tenho 12. Adoro previdência.” Ela ri e explica: “Moro sozinha, não penso em casar agora e acho que não quero ter filhos. Adoro o meu mundo e não me sinto pronta para dividir isso. Então, vou fazendo previdências”.

Mas Renata não pode escapar à própria intensidade: “Vivo tudo até a última gota, e talvez lamente não passar isso para um filho. Mas por que esse desejo de criar alguém à minha imagem e semelhança? Não tenho isso”. O que ela tem, e conta com orgulho, são 9 mil músicas recém-catalogadas em seu iPod, que começa a ouvir assim que sai do trabalho. “É o que mais gosto de fazer: voltar para casa.”

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Boleiros
Saiba o que alguns comentaristas de futebol pensam sobre Renata e que nota, de zero a dez, dariam ao trabalho dela

“Toda miss ou ex-miss sempre me cativa. Falando sobre futebol, então, é um delírio. É um tesão uma mulher que conhece a lei do impedimento, nos instiga sempre a desobedecê-la.” - Xico Sá, colunista de futebol da Folha de S.Paulo, dá nota oito para a apresentadora gaúcha

“É sempre muito legal ver as mulheres cada vez mais atuantes no esporte. A Renata conquistou o espaço dela não apenas pela beleza, mas também porque entende muito de futebol e sabe comandar o programa.” - Caio Ribeiro, comentarista da Rede Globo, dá nota nove para o trabalho de Renata

“Acho legal as muheres no jornalismo esportivo para ter uma visão diferente, menos ‘boleira’. Só não acho que a Renata precise ressaltar toda hora que entende de futebol. Ela entende do jeito dela e deve pensar assim, sem se preocupar com os outros”. - Mauricio Noriega, comentarista do SporTV, dá nota oito para a guria

Estilo Camila Nuñez Produção de moda Andrezza Aldrighi Zimenez Assistentes de foto Pedro Loes, Tiago Gracindo e Lu Fumagalli Maquiagem Saulo Fonseca (capa MGT) Assistente Érico Toscano Produção de objetos Ana Luiza Toscano Tratamento de imagem Fábio Meira (Osmeira) Short Rip Curl, Blusa La Tigresse e Tênis Acervo Produção Agradecimentos Apitos Rocket (11) 5542-3514 www.apitosrocket.com.br

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