por Arthur Veríssimo
Trip #189

Arthur Veríssimo vai à Bolívia e desafia um escrete de cholas para uma partida de futebol

 

Respirava o ar puríssimo enquanto observava, da estação de esqui de Chacaltaya, a imensidão dos Andes. No horizonte distante, a cratera onde está encravada a cidade de La Paz. A capital da Bolívia está situada a mais de 3.600 m de altitude e Chacaltaya está a uma altura de nada menos que 5.350 m. A estação encontra-se no coração da cordilheira real e é a mais alta do planeta. Suas pistas para esquiar se resumem atualmente a apenas duas linhas finas de neve. Tudo isso devido ao degelo dos picos nevados e às mudanças climáticas. O ar rarefeito já não incomodava mais.

Eu circulava pela Bolívia há mais de duas semanas, investigando a vida dos povos que habitam as bordas do lago Titicaca e as entranhas do caldeirão de La Paz. Estava aclimatado e havia organizado algo inusitado: uma partida de futebol com as cholas, as tradicionais indígenas aimarás que se destacam pelas suas tradições e pelo visual.

 

 

O desafio estava lançado. No dia 19 de outubro de 2009, a seleção brasileira comandada por Dunga, depois de 15 meses e 19 partidas invictas, fora derrotada por 2 a 1 para a oxigenada seleção boliviana. Agora era a hora da vingança. A partida seria na cidade de El Alto, que se estende na plataforma que rodeia a imensa cratera de La Paz. Estava marcada para o domingo em uma quadra a 4.050 m de altitude. O cenário misturava os picos nevados dos Andes com as casas de adobe dos habitantes. Aos poucos, as cholitas iam chegando com suas bolsas, fardos e sorrisos marotos. A única condição que a dirigente havia imposto era que este repórter deveria estar trajando as roupas típicas das mulheres andinas. Fazer o quê? Fui agraciado com a tradicional pollera e o chapéu de coco. A tal da pollera é um conjunto de saias, que são colocadas uma por cima da outra. Imaginem a cena. Este cabrón com mais de 1,85 m de altura travestido de cholita aimará. Com o chapéu Borsalino no topo da minha cabeça, era uma mistura de Bat Masterson de saia plissada com um Carlitos desidratado.

"A única condição que a dirigente havia imposto era que este repórter deveria estar trajando as roupas típicas das mulheres andinas"

 

 

ARTURO BORSALINO

Começa a partida. Minha esquadra fazia parte de um grupo de indígenas que batem bola todos os fins de semana há mais de oito anos. Todas são pequenas, mas com pulmões de Cesar Cielo. No primeiro pique, senti o peso do meu corpo como se fosse um mamute. As cholas divertiam-se e queriam dar meia-lua, lençol e olé neste incauto esportista. O chapéu-coco não se firmava na calota craniana. Fiquei na minha. Respirava com tranquilidade e, aos poucos, fui tirando o pé do freio. A partida estava 3 a 2 para as adversárias. Depois de 30 min, o Borsalino encaixou na cabeça e percebi que tinha poderes sobrenaturais.

"São pequenas, mas com pulmões de Cesar Cielo. Senti o peso do corpo como se fosse um mamute"

Num dado momento, baixou um Alex, personagem do filme Laranja mecânica, neste precioso corpo humano. Saí em disparada. Acreditem, marquei dois gols. Vibração total. As adversárias me olhavam torto. No segundo tempo, houve até expulsão. Faltando 4 min para o encerramento, fiz um passe para Carmen, a craque do time, que finalizou fazendo um golaço. Final: 7 a 5 para a nossa esquadra.

 

 

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