No papo desta quarta-feira, conheça o editor dos sites da Trip e Tpm
Nesta seção, atualizada toda quarta-feira, publicamos uma entrevista feita por algum funcionário da casa. O entrevistado também é sempre da Trip. Criada originalmente para o blog interno da editora, fez tanto sucesso que resolvemos compartilhar com os leitores do site.
Esta semana, repescamos uma entrevista que Diogo Rodriguez, repórter do site da Trip, fez com Daniel Benevides, editor dos sites da Trip e Tpm.
O jornalista Daniel Benevides é, antes de tudo, pai da Maria. Vocalista de uma banda de rock e jornalista cultural polivalente, foi elogiado por David Bowie e ajudou a criar a MTV. Nascido na França (mas é brasileiro), filho de astrônomo e cientista política, o editor dos sites da Trip e Tpm tentou dar uma explicação razoável para as origens de seus já famosos trocadilhos infames.
Como você chegou à Trip Editora?
Comentei com amigos que eu queria mudar de emprego e a Lia Hama me indicou pro Gui Werneck. A gente se deu bem de cara, mil afinidades, e eu vim.
E o que está achando?
Tô adorando trabalhar aqui. Eu já tinha trabalhado com site, mas os sites da Trip e da Tpm são outra coisa, têm muito mais a ver comigo. A Trip é um universo muito particular. É difícil encontrar alguém que não seja interessante, que não tenha algo a dizer. Existe um ambiente de criatividade, de troca de ideias, que é muito estimulante.
Onde você já trabalhou?
Redator na Bizz, Set e repórter no Jornal da Tarde. Depois, fiquei dez anos na MTV. Dá para dizer, sem falsa modéstia, que eu sou um dos pais da MTV. Entrei lá em 90, quando ela começou, e saí em 2000. Foi um lugar marcante, onde fiz muitos amigos e aprendi muita coisa. Lá eu tive a oportunidade de viajar pelo mundo e acompanhar de perto as melhores bandas. E eu aprendi a fazer televisão, ganhei uma profissão na MTV, de diretor de TV, roteirista, editor de jornalismo.
Depois, eu também dirigi a Monique Evans na RedeTV! durante um ano e a Soninha na Cultura. E escrevo como colaborador em vários lugares, UOL, Vida Simples, Rolling Stone (antes da Trip), Bravo etc.
Mas você não fez faculdade de jornalismo, fez arquitetura na FAU.
É quase impossível uma pessoa com 17 anos conseguir decidir que profissão vai seguir. Eu fiz Bandeirantes, um colégio muito CDF, e meu pai é astrônomo, foi primeiro lugar no ITA, então essas duas variantes juntas acabaram me levando a querer fazer Poli, ITA, essas coisas.
Na hora de preencher a ficha do vestibular, eu tive certeza de que não era o que eu queria. Eu não ia ficar seis anos com um monte de nerd, não ia rolar. Eu tinha um lado artístico acentuado, gostava de desenhar, pintar etc. e fui fazer FAU.
Entrei em 82, com 16 anos. Mas no segundo ano da FAU eu já escrevia como jornalista. A minha primeira matéria foi uma entrevista com o Zé do Caixão, quando ele não era hype como hoje, ele estava totalmente esquecido. Acho que, no fundo, sempre soube que seria jornalista. Sempre li muito, escrevia poesia, contos. A parte mais difícil da formação de jornalista eu tinha, que é a parte não técnica, não operacional, a parte de construir um repertório intelectual, cultural, de encontrar uma voz própria.
Quais dos seus ídolos você teve a oportunidade de conhecer? Lembro que você já contou que conheceu o David Bowie.
O David Bowie conheci quando eu estava no JT, em 89. Ele fez uma turnê pelo Brasil e eu fiz uma entrevista por telefone. Durou uma hora e eu achei que estivesse gravando, mas eu fiz alguma merda e não gravou. Tive que reproduzir de cabeça a entrevista toda. No dia seguinte, quando saiu no jornal, o agente dele me ligou e disse: “Foi a entrevista de que ele mais gostou na América Latina”. Fiquei super orgulhoso, não sei se é verdade. Uma semana depois, fui numa coletiva dele. Quando eu fiz uma pergunta na coletiva. Parece que eu estou me gabando, mas é muito legal para não contar. Ele me reconheceu pela voz, cara. “Daniel, I’m glad you are here.” Eu fiquei vermelho, orgulhoso, mas tímido. Depois eu conversei com ele, é um gentleman, ao contrário de alguns outros ídolos que eu conheci, como o Lou Reed e o Johnny Rotten, intragáveis. Mas cruzei vários outros bem bacanas, Beastie Boys, a Patti Smith, o Neil Young, o Beck.
Algum outro ídolo?
A melhor história é a do Nick Cave. Ele veio tocar no Brasil e começou a sair com uma amiga minha. Eles acabaram casando, tiveram filho. Eu tenho uma banda, 3 Hombres, que é muito influenciada por ele. [Nick Cave] É o farol estilístico da banda, o meu especialmente, ele me influenciou bastante. Fiquei meio amigo dele, apesar de eu ficar sem graça perto dele. Ele ia aos shows dos 3 Hombres, foi a uns cinco, gostava da banda, tem o disco. Quando eu fui para Londres, saí algumas vezes com ele. Foi uma experiência engraçada – sob alguns aspectos “histórica” [risos]. O tecladista da banda dele, o Roland Wolf, tocou com a gente no primeiro disco.
Conte resumidamente a história da sua banda.
Ela surgiu também em parte por causa de um cara que admirava muito, que era o Cadão Volpato, um puta letrista e escritor, ex-funcionário da Trip. Eu ia a todos os shows do Fellini. Acho que um jeito de vestir, o cabelo arrepiado, andava meio rasgado, meio punk, e isso não era tão comum no começo dos anos 80. O Thomas [Pappon, guitarrista do Fellini] achou que eu tinha cara de vocalista e me chamou para tocar com ele. Tocávamos naquele esquema: enchíamos a lata para criar coragem, porque ninguém sabia tocar muito, íamos para a sala da casa, pendurávamos o microfone no lustre e fazíamos barulho: Beatles, Velvet, Echo and The Bunnymen. Um dia apareceu o Celso Pucci, um puta jornalista de música (da extinta Bizz), que iria se tornar o meu melhor amigo e grande parceiro de músicas, e se formou o 3 Hombres.
A sua filha, a Maria, é fã de Beatles, não?
É, de Beatles, do The Kinks, do Animal Collective, mas também [pausa] fã de RBD, Jonas Brothers, Hannah Montana, Demi. Lovato, né? Minha filha é a coisa mais importante da minha vida, disparado. Segundo meu analista, eu não estaria vivo se não fosse a minha filha. Eu levava um estilo de vida destrutivo. Dois caras da minha banda morreram, inclusive o Celso, que todo mundo conhecia por Mino K. A gente levava muito ao pé da letra o “sex, drugs and rock’n’roll”. Ela nasceu com um problema congênito no coração, fez uma cirurgia muito complicada aos 3 meses, ficou muito tempo na UTI, quase morreu. Minha vida realmente se transformou. Durante os três primeiros anos da Maria, me dediquei a ela, não fazia mais nada. Trabalhei meio período, eu e a Chris, a mãe dela. Foi bem difícil. Aos 2 anos teve o “turning point”. Depois de uma cirurgia aparentemente bem-sucedida, ela teve uma parada respiratória e uma lesão cerebral como consequência. Isso mudou nossas vidas. A dela e as nossas. Ela praticamente nasceu de novo. Passou a ser uma pessoa diferente. Não em termos intelectuais ou afetivos, mas em termos físicos. No começo, ela nem conseguia engolir e segurar a cabeça, era assustador. O prognóstico dos médicos era muito sinistro e desanimador. Mas a gente não desanimou. Não sei se todo pai é assim, porque o amor pelo filho é uma coisa mais forte do que a gente consegue imaginar, então a gente acreditou. Os médicos diziam que ela não ia passar daquilo. Colocamos a Maria na fisioterapia e ela foi surpreendendo todo mundo. Em um ano já estava 200 por cento melhor. Hoje ela é uma garota bastante feliz, amorosa. Digo isso porque alguém que vê de fora se impressiona. Ela não anda direito, precisa de ajuda para se vestir, para tomar banho, mas dentro desse universo de limitações ela conseguiu muita coisa e é muito feliz a despeito disso. Hoje ela vai para a escola normalmente. Na idade dela, está começando a sofrer um pouco de discriminação, uma coisa que acontece com todos os adolescentes que têm alguma coisa de diferente: os gordinhos, os quatros-olhos, a Maria que é deficiente física. Posso ficar dias falando sobre a minha filha. Penso em escrever um livro sobre ela. Ela ensinou muita coisa para mim, para a Chris [Couto, a mãe], para os meus pais e todas as pessoas em volta dela. É corajosa, vencedora. Eu tenho um orgulho gigante da minha filha.
E as mulheres, Daniel?
Elas têm um papel crucial na minha vida. Sou grande admirador delas em todos os aspectos. É meio óbvio o que eu vou falar: mulher é foda [risos]! Mulher é quem faz o mundo girar, é responsável por manter e proteger a espécie. Se os homens fossem capazes de procriar, eles estragariam tudo, eles são autodestrutivos, egoístas. E eu me incluo nisso. A Marta, que é minha namorada, é umas três vezes mais bem preparada para a vida do que eu. Ela é fonoaudióloga, doutora, professora da PUC, tem consultório, escreve livro, trabalha pra caramba, é superindependente e ainda sabe aproveitar as coisas boas como ninguém. É uma baita mulher.
E a sua família? Seus pais e irmãos?
Esses, então, são meus verdadeiros ídolos! Minha mãe [Maria Victoria Benevides] é cientista política, escreveu vários livros importantes, foi uma das fundadoras do PT, trabalhou no governo da Luiza Erundina. É expansiva, do tipo que domina a mesa no jantar com mil histórias. Meu pai [Paulo Benevides Soares] é tímido, mais introspectivo. Um nerd adorável até hoje. Foi primeiro aluno do ITA, dá para imaginar o naipe. Do meu pai eu puxei o terrível hábito de fazer trocadilhos [risos].
Essa estava na minha pauta, olha aqui!
Tanta coisa para puxar do meu pai.
E os irmãos?
O André é sete anos mais novo, uma figura muito especial. Ele é meio gênio. Fez várias faculdades, todas na USP e na Unicamp. Os interesses dele, como os da família, são diversos: física, economia, artes cênicas, linguística. Foi cantor também, dos Pin-Ups, por indicação minha. Minha irmã, a Marina, é maravilhosa, o arrimo emocional da família. É advogada, se formou na São Francisco e fez tudo certinho: prestou OAB, casou com um colega [o Luis] e tem duas filhas que eu adoro.
E para terminar, uma coisa que você adora: uma autopergunta. O que Daniel Benevides pergunta para Daniel Benevides?
P: Daniel, o que falta para você?
R: Falta eu ter coragem e disciplina de escrever um livro, e eu espero que seja o primeiro de vários.
*Diogo Rodriguez, 25, é vocalista de uma banda de rockabilly que não tem nome, fã de Frank Black e recém-convertido ao jornalismo; também gosta muito de Fellini e uma vez viu a Monique Evans de longe numa festa.