Quando entramos na escola é que começamos a notar como somos diferentes uns dos outros
Acho que quando entramos na escola é que realmente começamos a notar como somos diferentes em relação aos outros. E não estou dizendo só na escolha entre comer o biscoito recheado inteiro ou abri-lo e lamber o recheio antes das duas metades. Refiro-me principalmente, à diferença de motivação para se realizar uma tarefa. Sempre havia a criança que esguelava levantando impacientemente a mão quando a professora pedia um voluntário para alguma atividade. Ao longo dos anos, fui perceber que isso também se repete na faculdade e no ambiente de trabalho.
Duvido que ninguém tenha se deparado com (ou até sido) o representante de classe ou de matéria na faculdade que achava que seria melhor visto aos olhos dos professores, o colega que faz cara de paisagem ou olha pra baixo sempre que solicitam alguém para fazer alguma etapa de um trabalho, a menina da frente que anota todas as aulas caprichosamente e depois faz charme para emprestar o caderno para tirarem xerox (se bem que, em tempos de tablets e laptops, nao sei se isso ainda existe). No ambiente de trabalho, os papéis se repetem. Só os cargos, roupas e termos ("colegas" viram "colaboradores") que mudam.
O que define o comportamento e a motivação de cada pessoa frente à necessidade de realizar uma tarefa ou trabalho? Mimo? Ter sido "criado pela avó com leite com pêra"? Necessidade de dinheiro? Gênio ruim?
O dia 02 de maio pode ter sido aquele em que um esboço de resposta foi encontrado. O Journal of Neuroscience publicou um estudo que traz indícios de que o responsável é um neurotransmissor: a dopamina. Até então, supunha-se (e não se questionava) o fato de que a dopamina tinha as mesmas ações em todo o cérebro. Por meio de mapeamento com PET Scan (nada mais que uma tomografia mais sofisticada), foi visto que os indivíduos mais motivados a trabalhar duro por uma recompensa mostraram uma maior quantidade de liberação de dopamina no cortex pre-frontal. No outro extremo, os indivíduos procrastinadores e "preguiçosos" demonstraram maior liberação do mesmo neurotrasmissor na ínsula. Então a mesma dopamina pode ter diferentes efeitos no mesmo cérebro, dependendo da região onde ela é liberada?! Parece que sim.
É preciso dizer que o estudo tem suas limitações, pois foi realizado com uma amostra pequena de indivíduos (por mais chocante que possa parecer, aproveito o momento para dizer que a grande maioria dos estudos são realizados sim com pequenas amostras. Aliás, o que é uma amostra realmente representativa num mundo com 7 bilhões de cérebros com dopamina?), com participantes de idades entre 18 e 29 anos. Ou seja, ainda será necessário repeti-lo com mais indivíduos, de uma faixa etária mais ampla. Ainda assim, suas potenciais implicações são importantíssimas, pois podem mudar completamente os tratamento de distúrbios psíquicos como a depressão, o déficit de atenção e a esquizofrenia, que pressupõem que a dopamina tem o mesmo efeito no cérebro todo e agem no intuito de aumentar ou diminuir seus níveis, como um todo.
Extrapolando mais ainda, não pude deixar de pensar se somos os reais senhores de nossas vidas ou se as características que nos tornam únicos são meras consequências da proporção de ingredientes da sopa de químicos que circula em nossos cérebros. Aquela pessoa que me atende com má-vontade é mal educada ou tem dopamina demais no lugar errado? Por essa lógica, o colega de trabalho preguiçoso ou a amiga de "gênio difícil" têm um distúrbio na concentração de algum neurotransmissor? Estando abaixo ou acima da concentração normal, quer dizer que eles são doentes e precisam ser tratado? Quem vai definir isso? Se começarmos a tratar todos os comportamentos que fogem do aceitável ou ideal, temo que o mundo passe a ser um lugar habitado por um exército de pessoas que pensam igual, falam igual e agem igual. E entediam-me igualmente.
Por ora, fico feliz em viver numa época em que personalidade não significa apenas "pessoa importante e conhecida" e torço para que haja muita cautela e discussão para que, mesmo que a ciência evolua a esse patamar, essa realidade e esses exageros não se concretizem. Pois aposto que não é nessa vida que eu e muita gente vamos aceitar aprender a marchar.