Pode não ser politicamente correto falar sobre porres, mas isto é sobre comemoração à vida
Outro dia, juntei alguns amigos para comemorar a minha casa nova.
Conversando, beliscando e bebericando, passamos horas num domingo ensolarado dando muita risada.
Até que o vinho branco geladinho que eu estava tomando começou a turbinar as minhas ideias.
As pessoas precisam me conhecer muito bem para perceber se bebi em demasia, pois, além de já ter pensamentos soltos e de não dar bandeira trançando as pernas, serei carregada de qualquer jeito.
Minhas amigas mergulharam-me na banheira e, depois de me desfazer dos aperitivos, colocaram-me pra dormir.
Foi nessa onda etílica que me deu vontade de relembrar o meu primeiro fogo. Curioso quando resolvemos mergulhar numa lembrança... Eu tinha 11 anos e frequentava desde pequena, com a minha família, o Yatch Clube São Vicente. Evoquei até a textura do piso do vestiário cheio de espelhos onde percebi que algo estranho estava acontecendo comigo. Eu tinha tomado umas batidas de coco docinhas que o barman do clube fazia. Nessa época a minha mãe ainda não era uma apreciadora de vinhos, mas meu pai sempre gostou de um drinque. Por isso, sem culpa nenhuma, fui contar para o meu pai que estava bêbada.
Lembro-me calçando uma das primeiras sandálias de salto que tive, vermelha, enquanto meus pais providenciavam um café preto. Parecia que o mundo tinha resolvido funcionar em outra velocidade.
Hoje, tenho vários momentos da lembrança de um porre. A do dia que até esqueci o Tuiuiú, meu pug fiel, na casa de uma amiga. Ainda bem que ele não guarda rancor. E outra muito antes, quando a minha turma do terceiro colegial (hoje ensino médio) saiu para beber porradinha, uma mistura de cachaça com soda limonada que batia no joelho antes de mandar pra dentro. Nessa, eu, a Pá e a Dani (eternas amigas) sentamos na calçada, comemorando o fim do segundo grau, no colégio Bandeirantes, o que foi uma vitória.
Sinto a disciplina desse colégio me guiar até hoje e foi nesse dia que eu aprendi também a odiar cachaça vagabunda.
Ontem, fui ao Frangó, na Freguesia do Ó, comer frango com amigos e na volta fui visitar meu pai no hospital. Pode parecer nada politicamente correto falar sobre porres, mas, na verdade, eu estou falando de comemoração à vida. Olhar meu pai deitado em uma cama de hospital me fez pensar que tudo que eu queria agora era festejar a vida com ele. Na quarta edição desta revista, em 2001, quando ele fez uma cirurgia de aneurisma e quase morreu, eu já tinha manifestado esse mesmo desejo. Só que agora, depois de quatro AVCs, outro aneurisma, um transplante de rim e vários tumores causados pelo imunossupressor que evita rejeição do órgão, meu pai está se alimentando por sonda e praticamente não fala nem anda. A única coisa que me alivia nessa situação é saber que ele, enquanto pôde, sempre festejou.
Mara Gabrilli, 40 anos, é publicitária, psicóloga e vereadora por São Paulo. Fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP), é tetraplégica e foi Trip Girl na Trip #82. Seu e-mail: maragabrilli@camara.sp.gov.br