A comediante Mônica Martelli apresenta a irmã, uma massagista famosa e um cego que sabe onde pisa
Uma comediante, uma médica que virou diretora de teatro, uma massagista que muda o corpo das globais e um cego que sabe o que não vê
Mônica é irmã de...
Mônica Martelli, 40, tem gírias e agenda de mulher moderna. Conhecida a partir da novela global Beleza Pura (2008), ela fala com a Tpm por um de seus dois celulares. Ao mesmo tempo, almoça com a equipe da série Dilemas de Irene, da qual é protagonista, no GNT. Com voz grave e um bom humor reforçado pelas palavras “amor”e “amiga”, ela discorre sobre a insegurança que habita seu 1,80 metro. “Tive problemas com namorado até 18 anos”, diz. “Olhar para baixo ajuda a não parecer metida”, solta, divertida. O talento de criar diálogos ficou provado com o primeiro monólogo de sua autoria, Os Homens São de Marte... e É para lá que Eu Vou!, que lota teatros paulistanos e cariocas há três anos. Escreveu a peça por outra insegurança: “Estava solteira aos 31 anos: desesperada!”, confessa. Com 13 peças e três longas, há seis anos conheceu o marido, Jerry Marques, produtor musical e de teatro. “Graças a Deus! Escrevi um final feliz para a peça.” E a vida imita a arte.
...Susana, que é cliente de...
Mônica brinca que a vida de Susana Garcia, 38, é perfeita: “Ela é linda, bem-sucedida, tem um casamento feliz e dois filhos bonitos. Quando comprou um cão da raça golden, eu disse: ‘Chega!’”. Susana ri e fala com a mesma voz grave da irmã. Mas é mais objetiva, por causa dos anos como médica. “Adoro desafios e não sei fazer várias coisas ao mesmo tempo”, explica ela, que passou dez anos enfiada nos livros. Aos 31, trabalhava numa clínica conceituada e dava aulas na área. Até que a irmã pediu sua opinião sobre uma peça. “Dei sugestões que o diretor dela acatou!”, conta Susana, que já estudava teatro por hobby. Largou tudo e pediu para estagiar na peça Um Marido Ideal, de Oscar Wilde, traduzida por Miguel Falabella, em 2006. Hoje é a diretora premiada de Eu Sou Minha Própria Mulher, ao lado do marido, Herson Capri, até então só ator. “Todos pensam que ele levou a mulher, mas foi o contrário”, diz, sem se importar com o detalhe.
...Edileuda, que é cunhada de...
Edileuda de Oliveira, 35, é a massagista que faz globais como Heloísa Perissé e as mulheres das páginas anteriores perderem até 30 centímetros de quadril. Também é a cearense que chama de “cantinho” sua clínica estética, que tem cinco ajudantes. Por um lado, sempre foi rata de academia, por outro, passaria a vida trabalhando com crianças cegas no Instituto Doutor Hélio Goés Ferreira, em Fortaleza, onde ficou cinco anos, e até convenceu o presidente de lá a colorir as paredes. Mas, em 1997, sua filha nasceu com um problema no coração. No ano seguinte, mudou com ela e o marido para o Rio de Janeiro, onde virou digitadora e estudante de massagem. Há três anos, a filha recebeu alta, e as 73 clientes de Edileuda não trocam suas mãos por nenhuma outra. “Meu corpo mudou”, garante Cissa Guimarães. “Misturei técnicas e desenvolvi a minha lipoescultura”, diz Edileuda, casada com o irmão de Ricardo, aí ao lado.
Ricardo
Ricardo Azevedo Soares, 30, nunca viu a esposa. Nem sua casa. Nem o filho de 3 anos. “Mas lembro de cores”, conforta-se ele, que olhou no espelho até os 5 anos, quando levou um tombo na escola e descolou as retinas. Desde então, o mundo desse analista judiciário carioca é um infinito preto. “Mas nunca me desesperei”, conta Ricardo, que não gosta de cães-guias, (“robotização do animal”), porém confessa que talvez um o ajudasse a escapar de pancadas em andaimes. Esportista (vice-campeão brasileiro de judô nos anos 90 e agora fissurado em Gol Ball, futebol com as mãos), nunca teve problemas para namorar. Conheceu a esposa, que enxerga tudo, há seis anos, num bate-papo por telefone. “A voz conta muito”, explica. A imagem mais marcante de sua vida surpreende: “O nascimento do meu filho. Fiquei com um gravador no bolso e perguntando tudo. Depois apalpei o menino inteiro, ele é a minha cara”, diz, sem esquecer o que já viu.
Tpm +
Se Você sempre enxergou tudo, provavelmente nem imagina como é o mundo de quem vive numa constante escuridão. Nesta edição, a Tpm apresentou o deficiente visual Ricardo, 30, na seção Amiga-do-amigo. Aqui, ele fala sobre sua opção por não ter cão-guia (aquele cachorro que ajuda seu dono, cego, a não tropeçar por aí) e sobre os benefícios de ter estudado numa escola especial. Convidamos o estudante Fernando Pinto, 23, que também é cego, para contrapor Ricardo com suas opiniões sobre os mesmo temas. Uma ótima oportunidade para você ver o mundo por outros ângulos
Depoimentos a Ariane Abdallah e Bruna Bopp
Ricardo Azevedo
Cão-guia: uma ROBOTIZAÇÃO do animal
Pra começo de conversa, um esclarecimento: não sou técnico nos assuntos dos quais trata este texto. Sou apenas um deficiente visual com alguns anos de estrada, ou melhor, de cegueira.
Não sinto nenhuma necessidade em usar o cão-guia para me locomover por aí. O primeiro ponto negativo nessa relação entre deficiente visual e cão-guia é exatamente a desnaturação do pobre coitado do bicho. Penso que o cachorro fica extremamente robotizado, e essa ideia não me agrada. Também reputo negativo o alto custo para sua manutenção. Num país como o nosso, qualquer despesa extra representa muito no bolso de qualquer pessoa.
Outro detalhe que não me deixa lá muito à vontade é a situação constrangedora que acaba sendo construída quando acessamos transportes de massa na companhia do belo cãozinho avantajado.
Os mais entendidos do tema dizem que a grande vantagem é que o cão nos livra dos obstáculos aéreos e isso, realmente, representa uma baita vantagem, pois não é nada agradável trombar de frente com um andaime ou dar aquele beijo ardente em um orelhão.
De qualquer forma, muito embora pense que o uso do cão-guia seja uma mera opção individual e não uma necessidade de todo o segmento, estarei sempre ao lado daqueles que lutam para que o direito à opção de cada um seja respeitado.
Por enquanto, digo: viva a boa e velha bengala!
Infância cega: ensino ESPECIAL
Outra questão atual e polêmica sobre a deficiência visual é o sistema de ensino mais adequado aos cegos. Ninguém em sã consciência é terminantemente contra a chamada educação inclusiva, aquela que prevê a educação para todos, com os deficientes em classes regulares de ensino. Não é algo maravilhoso? Sim, é claro que é. O que alguns – no caso, eu – vão contra é o modo pelo qual outros querem que ela seja implementada.
Pensemos no Brasil – pois não estamos na Suíça. Num país como o nosso, onde não temos nem sequer educação para as pessoas ditas “normais”, que dirá uma educação de qualidade para as pessoas com deficiência, e isso tudo em pé de igualdade.
Sonhar e pensar a educação como algo inclusivo para todos de uma maneira bem estruturada e sem atropelos é o óbvio. O grande problema de muitos dos defensores da tal educação inclusiva é achar que a educação especializada já morreu, que não cumpre mais o seu papel e que é segregadora. Erro crasso! Sou oriundo de escola especializada, Instituto Benjamin Constant (http://www.ibc.gov.br/), e me sinto completamente incluído em nossa sociedade repleta de injustiças e desigualdades.
Enquanto cursava o primeiro grau naquele educandário, e convivia com outros deficientes visuais, também levava minha vida normalmente, fazendo cursos de língua e treinando judô fora da instituição, num convívio normal com as pessoas sem deficiências aparentes. Jamais me senti segregado pela instituição, ao contrário, ela me ensinou a enfrentar muitas dificuldades e a vencer no dia-a-dia, sem dogmas, mitos ou fantasias quanto ao mundo real.
Fernando Geraci
Cão-guia: uma VALORIZAÇÃO do animal
Eu fiquei cego com 1 ano devido a uma infecção e uma catarata. Hoje, não apenas sou a favor de cães-guias, como faço parte dos cerca de 300 brasileiros que já têm o seu. Vicky é a minha Golden, que vai comigo para a faculdade, para o trabalho, para todo lugar. Passamos o dia todo juntos, somos totalmente ligados. Hoje em dia já é permitido andar com cães-guias no metrô, o que reforça ainda mais essa opção. É verdade que manter um cachorro custa caro. Mas, no meu caso, é só manter mesmo, porque adotei a Vicky em uma associação.
Adotar é uma ótima opção para os cegos. Existem associações espalhadas pelo mundo todo com animais à espera de um dono. Vicky, por exemplo, veio da Inglaterra. No Brasil indico a associação Integra, em Brasília (www.integradf.org.br). Mas, para levar seu cão-guia para casa, a instituição precisa ter certeza de que ele será bem tratado.
Para começar, o deficiente tem que saber andar de bengala. Então, é só se inscrever em alguma associação e esperar o contato. As instituições já costumam adestrar o animal e, na hora de avaliar o dono, algumas pedem um vídeo de seu dia-a-dia, para ver como a pessoa se comporta: se é calmo, prudente, paciente...
Se o dono for aprovado, começa o treinamento. O próximo passo é o entrosamento entre o deficiente e seu animal. Um treinador os acompanha para ver como estão indo até ter certeza de que se dão bem.
Passando por todas essas provações, o cão é seu. Aí o bicho terá que usar sempre a trela, uma coleira que indica que ele está trabalhando e proíbe as pessoas de tocarem nele enquanto está em serviço.
Falar em robotização do animal é falta de informação. Robôs somos nós, que achamos que tudo é exploração. O cão-guia sente a satisfação de cumprir uma missão. Se for cuidado e amado, será feliz como qualquer cão.
Infância cega: ensino NORMAL
O deficiente visual ainda não alcançou o seu nível máximo de inclusão. Ainda que tenhamos empresas, vagas especiais e mesmo escolas, não são todas que estão preparadas para receber esses alunos. Mas estudar só em escola para cegos é uma barreira.
Eu frequentei escola especial e normal. Primeiramente, o que a gente tem que fazer é não ser cego das nossas virtudes. Claro, eu concordo que lidar com a sociedade que enxerga é um pouco difícil, porque a sociedade não está preparada para receber deficientes de várias atividades, não só visual. Mas você tem que se acostumar com isso, porque talvez a diferença entre vocês e nós seja que vocês são muito apegados aos olhos e acabam se esquecendo de outros sentidos.
Estamos falando de mundos iguais, mas a maneira de se comunicar é diferente. Cego namora, cozinha, eu faço faculdade de música. Então posso dizer que esse negócio de que “os deficientes têm que ser colocados numa sala, tem que usar um código específico...” não é necessário. Quem pensa que precisamos disso é gente para quem falta algo muito além dos olhos.