Os comunistas e hippies não me deixavam ver TV!

por Nina Lemos
Tpm #147

Para muitos dos pais dos anos 70, ver TV era coisa de ”alienado”

Quem nasceu nos anos 70, se fosse filho de alguém “de esquerda”, não podia ver muito TV. Isso porque a televisão era considerada um instrumento capitalista, do demônio e, claro, uma coisa que vinha dos Estados Unidos (e tudo que vinha dos Estados Unidos era ruim, apesar de eles gostarem de rock ou de jazz). Ver novela era coisa de “alienado”. E assistir à TV Globo coisa de gente “quadrada”. Ver Silvio Santos? Mas nunca! Os pais se orgulhavam muito de proibir os filhos de ver TV. Isso era meio chique. Ou, simplesmente, não se tinha TV porque, ora, na comunidade alternativa não tinha luz elétrica, puxa! Abaixo, relatos dramáticos de filhos de esquerdistas e hippies que passaram a infância sem ver Silvio Santos ou o palhaço Bozo.

“Eu Nunca vi Dancing Days
“Na minha casa só podia ver dois programas na TV: novela das 6 e o programa Caso verdade. Isso significa que eu tenho um gap cultural com a minha geração. Não, eu nunca vi Dancing Days. E todas as minhas amigas viam, menos eu.” Jo Hallack hoje é roteirista de televisão, ainda por cima da TV Globo, do programa Esquenta

“Ele trancou a TV na área”
“Quando eu tinha uns 4 anos, meu pai trancou a televisão na área de serviço para que eu não corresse o risco de assistir a essa coisa horrível. Depois, quando meus pais se separaram, na casa da minha mãe podia ver novela. Mas na dele, nunca. Ele me obrigava a assistir só TV Educativa. O programa que ele
mais me forçava a ver era um chamado PlinPlin, o mágico do papel. Eu gostava. Mas provavelmente eu só fingia que gostava para agradar meu pai.” Nina Lemos, editora desta seção, escreve também sobre… televisão!

“Eu nunca pude assistir ao Silvio Santos”
“Na minha casa a gente podia assistir um pouco de TV, mas o SBT era totalmente vetado. Nunca assisti Chaves, Vovó Mafalda e Silvio Santos. Quando passava o domingo na casa de alguma amiga, aproveitava para dar uma espiadela no canal proibido. As férias a gente passava [janeiro e julho] na chácara e, claro, não tinha televisão. Talvez eu seja uma pessoa melhor por isso... Talvez não.” Lia Bock é editora da Tpm e passou a infância sonhando em ser loira pra virar Paquita

“Na comunidade não tinha luz elétrica”
“Eu vivia em uma comunidade agrícola alternativa sem luz elétrica, ou seja, não tinha TV. Anos depois, já com uns 14 anos, minha mãe pegou uma TV emprestada com a vizinha quando eu tive broncopneumonia e fiquei de cama 15 dias. Estava passando Vale tudo, mas eu só pude acompanhar durante aqueles 15 dias mesmo [risos].” Eva Uviedo, designer e ilustradora, hoje assiste a muita, muita novela

“Eu queria ir na Porta da esperança pedir para conhecer o Caetano”
“Na verdade a hippice dos meus pais foi ao contrário. E podia tudo!!! Eles eram muito novos quando eu nasci. Fui a primeira filha da galera. Então, eu fazia parte das viagens e das baladas. Os baseados eram chamados de ‘do bom’. Acho que a primeira coisa que meu pai me proibiu de ver foi, aos 13 anos, Lolita no cinema. Mas, quando era mais nova, assistia de tudo! Desde Chaves até Cocktail de Luís Carlos Miele! Lembra das meninas com as frutinhas?!? Tanto que o resumo da minha infância é que eu queria ir na Porta da esperança pra pedir pro Silvio Santos pra conhecer o Caetano!!!” Estrela Strauss é atriz, mas faz mais teatro

“Ela desligou a TV da tomada e tirou a antena!” 
“Na casa da minha mãe era tranquilo, mas uma época, eu tinha uns 10 anos, estava vendo muita TV e ela desligou, tirou da sala (lembro que a TV ficou num espaço embaixo da escada na cozinha, sem fio, sem antena, totalmente desligada). Aí me pegou no colo e mostrou uma flor que nascia bem na frente da janela do meu quarto e disse: ‘Tem vida lá fora’. Hoje, vivo em Berlim sem TV. Amo novela, mas estou sobrevivendo linda!” Maíra Goldschmidt é jornalista especializada em moda sustentável e adora a natureza

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