Por que precisamos de um dia da mentira quando já vivemos os 365 dias do ano com elas?
Domingo eu acordei com uma grávida me solicitando uma receita de isotretinoína, o princípio ativo do Accutane/Roacutan, porque seus comprimidos haviam acabado e, segundo ela, "grávida espinhenta não dá, né?".
Instantaneamente, tive que buscar meus olhos no chão, porque eles já tinham pulado das órbitas ao terminar de ler esse pedido numa DM no meu Twitter. Não sou obstetra, nem dermatologista, mas é de conhecimento praticamente geral (nunca dá pra falar q algo é 100% quando envolve pessoas) que a isotretinoína é uma das substâncias mais teratogênicas (mediquês para tudo aquilo capaz de causar dano ao feto durante a gestação) que existem.
Enquanto ela tentava me convencer de que tomar só um comprimido por dia não devia ter problema e que a amiga que indicou o remédio para ela nunca teria coragem de sugerir algo que fizesse mal, tentando contrapor qualquer argumento que eu dava, eu sentia uma vontade cada vez maior de golpear a parede com minha cabeça numa tentativa de fazer passar a cefaléia que a conversa estava me causando.
Quando eu estava praticamente me levantando para colocar isso em prática, com a graça dos céus, ela me mandou um link para provar o que estava dizendo. O mesmo me direcionava a uma página me lembrando de que era 1° de abril. *suspiro aliviado*
Ao mesmo tempo em que ri de mim mesma e me senti naquele programa da MTV que o Ashton Kutcher apresentava, o Punkd, eu lembrei de uma palestra que vi no TED. Sobre mentiras e como detectá-las.
Lembrei que ouvimos de 10 a 200 mentiras ao longo de um dia. Que, pelo menos, três mentiras são contadas nos primeiros 10 minutos em que duas pessoas estão se conhecendo. Lembrei-me de que extrovertidos mentem mais que introvertidos. E que homens mentem mais sobre si mesmos. Enquanto as mulheres mentem mais para proteger alguém. E, o mais alarmante: quem tem um relacionamento sério mente para seu/sua cônjuge em uma a cada dez interações. Quem é solteiro, mente em uma a cada três.
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Ok. Eu sei que a maioria das mentiras são bobas... algo como responder "tudo", automaticamente, quando alguém vem no sentido oposto ao seu no corredor e, ao te ver, lança um "Oi, tudo bem?".
Só por convenção social mesmo, porque imagino que 95% das pessoas (mãe e amigos excluídos aqui) não estejam realmente interessadas na sua resposta quando fazem a pergunta. Ou se diz "tudo bem" quando um chefe solicita que você fique no trabalho até mais tarde para terminar um relatório que, na verdade, ele(a) deveria ter feito.
Sei que tudo isso é feito em nome de um convívio em sociedade harmônico, pelo menos na superfície. Ainda assim, nesse último primeiro de abril foi impossível deixar de questionar o porquê de termos um dia da mentira quando já vivemos os 365 (ou 366) dias do ano com elas.
Que fique claro: Não estou sugerindo que ninguém comece a viver como es estivesse no (ótimo, por sinal) filme The Invention of Lying, muito menos fazendo apologia à grosseria gratuita e ao egoísmo. Ninguém tem que dissecar e expor tudo o que incomoda em cada pessoa que cruza seu caminho, nem fazer oversharing no twitter (ou ao vivo).
Só acho que todos devíamos ter, pelo menos, um Dia da Verdade Particular. Para que, ao menos uma vez, pudéssemos parar com o "tudo bem" internalizado e encarássemos nossas próprias realidades. Só assim é possível fugir de dois dos cinco arrependimentos mais agoniantes e comuns do leito de morte: o "Eu gostaria de ter tido a coragem de expressar meus sentimentos" e o "Eu queria ter vivido uma vida que me satisfizesse, ao invés daquela que as pessoas esperavam de mim".