Documentário de Érica de Paula e Eduardo Chauvet questiona a realidade obstétrica brasileira
Parto normal: o assunto parece natural pra você? Para a psicóloga Érica de Paula, 26, e o apresentador de TV Eduardo Chauvet, 42, ele está longe da naturalidade que deveria ter. Desde 2010, o casal brasiliense resolveu olhar a fundo para essa questão e descobriu um número alarmante de cesarianas, ou de partos com intervenções desnecessárias, que acabam gerando sérias conseqüências psicológicas, sociais e financeiras não somente para a família envolvida, mas para todo um modelo de sociedade.
O filme é fundamentado na teoria do cientista e obstetra francês Michel Odent, que propõe a reflexão sobre o futuro de uma civilização nascida sem os chamados "hormônios do amor", liberados apenas em condições específicas de trabalho de parto. Sem eles, o nascer torna-se processual, mecânico e passa de um evento fisiológico para um ato cirúrgico. A grande mudança que responde pela "desumanização do nascimento" é o aumento de cesarianas, em detrimento do parto natural. No Brasil, 52% dos nascimentos são realizados de forma cirúrgica, hospitalar e fria. Segundo o que mostra o documentário, a mulher deixa de protagonizar o parto, é colocada em uma situal de risco muitas vezes irreal e perde-se o vínculo visceral entre ela e o bebê.
Diante de uma primeira pesquisa, Érica, envolvida no movimento de humanização do parto desde 2009, levou o assunto ao seu marido, Eduardo, e eles tiveram a ideia de produzir o documentário O Renascimento do Parto. No filme, a situação obstétrica mundial e, especialmente a brasileira, é questionada através dos depoimentos de nomes como o do próprio Michel Odent, a antropóloga norte-americana Robbie Davis-Floyd, a parteira mexicana Naoli Vinaver, do ator e diretor de cinema Márcio Garcia e sua esposa, a nutricionista Andréa Santa Rosa. Ao mesmo tempo, são trazidas declarações de muitas mães que passaram por cesáreas contra sua própria vontade.
Conversamos com Érica, idealizadora, produtora e pesquisadora do longa. Aqui, ela fala sobre sua caminhada na luta da humanização do parto, da importância que o filme tem na mudança da situação obstétrica que passamos, e das dificuldades de distribuição do documentrário no mercado nacional.
Tpm. Além de produtora do documentário, você é doula e educadora perinatal. Pode nos contar mais como a causa da humanização do parto aconteceu na sua vida?
Érica. Como acupunturista, me especializei em ginecologia e obstetrícia, comecei a lidar cada vez mais com o público feminino e percebi o quanto existe uma demanda por informação de qualidade. Isso é mais verdadeiro ainda em se tratando do parto, em um país onde toda a cultura e a sociedade faz a mulher acreditar que é incapaz de ter um parto normal e que extrair o seu bebê por via cirúrgica é mais seguro ou melhor para ambos. Desde que entrei em contato com esse universo, e por ser uma pessoa muito questionadora, comecei a estudar e vi que a realidade obstétrica brasileira atual é gravíssima e inaceitável sob todos os pontos de vista. Então me tornei uma grande ativista pelo parto humanizado, e pelo direito de escolha consciente das mulheres. Digo direito de escolha porque no Brasil a escolha pela via de parto tem mão única. Se a mulher quer uma cesariana, ela será prontamente atendida. Mas se ela quer um parto normal (e pesquisas indicam que a grande maioria das brasileiras desejam um parto normal no início da gestação) ela precisam lutar ferrenhamente contra o sistema e praticamente se formar em obstetrícia para conseguir se desviar de tantos mitos que envolvem o assunto. Para exemplificar, na rede privada atualmente cerca de 80 a 100% dos nascimentos são por cesariana, e mesmo na rede pública o número de cesarianas chega quase ao triplo do recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Há quanto tempo você está comprometida com o parto humanizado? Estou comprometida desde 2009, quando comecei a atuar como doula. (Doula é uma assistente de parto, ainda sem titulação profissional, que proporciona informação, acolhimento, apoio físico e emocional às mulheres durante toda a gestação, e principalmente, durante o parto).
Como surgiu a ideia de produzir o filme? Meu marido tem um programa de televisão no SBT Brasilia, então sugeri que fizéssemos um especial de dia das mães sobre parto em 2010. Fizemos o programa, mas ficamos com vontade de produzir um curta metragem sobre o assunto. Logo chegamos à conclusão de que o tema é muito vasto para um curta metragem, e optamos por um longa. O Eduardo, que tem formação em cinema na Filadelfia, Estados Unidos, dirigiu e editou. Eu fiz todo o roteiro a produção. Agregamos diversos parceiros e o projeto foi crescendo, superando todas as nossas expectativas.
E você ainda não tem filhos, certo? Não tenho filhos, mas como doula acompanhei diversos partos muito violentos e com procedimentos desnecessários, além de cesarianas mal indicadas e contra a vontade da mulher. Isso também me motivou a fazer o documentário.
"Se a mulher quiser um parto normal ela precisa lutar ferrenhamente contra o sistema e praticamente se formar em Obstetrícia para conseguirem desviar de tantos mitos que envolvem o assunto", Érica de Paula
O filme começou a ser idealizado em 2010, correto? Como foi o processo de produção dele? A ideia começou em 2010, mas a pesquisa para o filme na verdade começou em 2011, quando também gravamos as primeiras entrevistas, o que continuou acontecendo até 2012. O roteiro foi mudado muitas vezes ao longo do processo de filmagem e até mesmo de edição, pois a minha ficha foi caindo aos poucos sobre a importância de determinados temas no filme. A escolha dos personagens também foi difícil, pois gostaríamos de apresentar ao mesmo tempo experts no assunto mas também mães e pais que viveram as mais diversas experiências de parto, para que o público pudesse se identificar com os relatos.
Quando mais se emocionou no processo de produção? Viveu coisas que valem a pena serem contadas? O mais emocionante de todo o processo foram os relatos das mães que foram enganadas, e que representam milhares de mulheres na mesma situação. Mulheres que desejavam passar pela experiência de ter um parto normal, mas que tiveram seus partos "roubados" por profissionais sem escrúpulos, que estavam pensando mais em seu comodismo do que na saúde e no desejo daquela família. Ou mulheres que tiveram uma experiência de parto normal muito violenta, com agressões verbais e intervenções desnecessárias à luz das evidências. Todas essas cicatrizes são muito profundas e vão muito além do corte na barriga (ou no períneo).
Como aconteceu o envolvimento do seu marido, o Eduardo, em todo o projeto? Aliás, desde quando ele se interessou pelo assunto e pelas causas que você costuma abraçar? O Eduardo estava há muitos anos produzindo praticamente apenas televisão, e já tinha o desejo de voltar a fazer cinema. O argumento do filme e a urgência da temática fizeram com que ele rapidamente topasse esse projeto comigo. Hoje, após ter mergulhado nesse universo e nessa dura realidade, ele se tornou um grande ativista da causa.
Você foi influente no interesse dele pelo parto humanizado então? Sem dúvida. O Eduardo, como quase toda a população, nunca tinha parado para pensar no assunto parto e nascimento, até quando entrou em contato direto com esse universo através da minha pesquisa e do filme.
"Na rede privada atualmente cerca de 80 a 100% dos nascimentos são por cesariana, e mesmo na rede pública o número de cesarianas chega quase ao triplo do recomendado pela OMS", Érica de Paula
Acredita que o documentário pode mudar a situação obstétrica no Brasil? O documentário possui como objetivo conscientizar toda a população (não apenas as mulheres grávidas) da importância e do impacto da forma como nascemos em toda a nossa vida. Pretendemos plantar uma sementinha de que é possível viver esse momento com absoluta plenitude, e de que existem lindas opções além de uma cesariana eletiva ou um parto normal violento. Acreditamos, como Michel Odent, que para mudar o mundo é preciso mudar a forma de nascer primeiro! E o filme tem potencial para contribuir pois oferece informações de qualidade a respeito do parto e nascimento, quebrando mitos e tabus profundamente arraigados na sociedade e inclusive entre profissionais da saúde.
A intenção é levar o material para exibição em todo o País. A ideia é lançar o filme em circuito comercial, nos cinemas, e depois disponibilizar para venda em DVDs. Então sim, em todo o País e se possível além.
Como as mulheres que assistiram o filme o têm recebido? Até agora fizemos poucas sessões fechadas para convidados, tanto para gestantes quanto para pessoas comuns. A reação geral é de muita emoção, muitas lágrimas, muitas reflexões do público sobre o seu próprio nascimento e de seus filhos, e a sensação de ter tirado uma venda dos olhos em relação a esse assunto. Algumas pessoas chegaram a falar que nunca viram nada tão importante e urgente para a sociedade quanto esse filme.
O filme foi todo feito e bancado por você e seu marido. Quais foram as dificuldades que encontraram na execução e, agora, no distribuição dele? O filme foi realizado de forma totalmente independente. Acumulamos funções, fizemos parcerias e bancamos do próprio bolso todos os custos até agora. Tínhamos pressa na execução da obra e não pudemos esperar recursos públicos, leis de incentivo fiscal, etc. Tivemos dificuldade em conseguir patrocinadores para o projeto na fase de produção, e agora estamos tentando para os custos da distribuição. Esse é o maior desafio no momento, pois sem recursos não conseguiremos atingir as próximas etapas, que é a distribuição em cinemas e a tiragem de DVDs.
Já existe uma data ou previsão de lançamento? Ainda não temos data de lançamento, pelos motivos já citados, mas não passará do primeiro semestre desse ano. De qualquer forma, temos um crowfunding, onde desejamos angariar fundos para a distribuição. Quem acreditar na causa e quiser ajudar: benfeitoria.com/o-renascimento-do-parto.
Aqui, você assiste ao teaser promocional do filme.
Vai lá: para colaborar com a distribuição do documentário nos cinemas nacionais: benfeitoria.com/o-renascimento-do-parto