por Maria Ribeiro
Tpm #127

Avenida Brasil foi dramaturgia de qualidade e nos embalou como crianças no berço

 

Anos dourados, O tempo e o vento, Roque Santeiro. Comecei a ver novela menina e, além de ter sido apresentada a temas que nunca eram tratados abertamente por meus pais, percebi desde cedo que aquela historinha que passava às oito horas da noite na televisão era um mágico ponto em comum entre a sala e a cozinha da minha casa.

Naquela época, era mais comum criança ver novela, e, embora a classificação indicativa estivesse ali, não havia essa consciência toda de não expor crianças a conteúdos inapropriados. Hoje, com a TV a cabo, é impensável que uma garota de 7 anos assista às tramas das 21 horas, até porque há desenhos passando a qualquer hora... mas quer saber? Vi muita coisa bonita e ainda sou capaz de sentir o peito bater forte com as lembranças do Fábio Jr. ou do capitão Rodrigo. Nessa época, início dos anos 80, eu nem pensava em ser atriz. Talvez até pensasse, mas era uma realidade tão longe da minha como a dos astronautas da Nasa, portanto aquilo fazia parte do meu mundo de sonho, junto com Barbies e Tom Cruise.

Depois cresci e fui ficando mais atenta. A esta altura da jornada é preciso muita verdade pra um enredo me levar pela mão e me fazer esquecer a conta de luz, os textos que não decorei e os buracos negros do Universo, portanto há muito tempo que só o cinema me fazia essa gentileza. Até receber em minha casa os inesquecíveis moradores do Divino, com todo o calor e a espontaneidade que eu jamais tive em minhas mesas.

Vi Avenida Brasil como li Dom Casmurro, aproveitando cada capítulo quanto mais a história se aproximava do fim, num estado de abandono de consciência que recomendo ao pior inimigo. Uma boa história é uma droga fortíssima e, quando reflete um comportamento com o qual estamos identificados, então, além do deleite, há também a forra. Lembro de ter sentido tamanha euforia com o Tropa de elite, com o Ronaldo no Japão e, recentemente, com o Joaquim Barbosa. Mas, talvez, mais do que importante como estudo antropológico de questões brasileiras, Avenida Brasil foi dramaturgia de qualidade e nos embalou como crianças no berço, com todas as benesses que o colo proporciona. Não é à toa que empresas como o Google dão horas de lazer para seus funcionários em pleno horário de trabalho. A transcendência é produtiva e o lazer, inspirador.

Sofisticação pop

Por que eu não compactuo com essa divisão clássica entre cinema de arte e cinema de mercado, ou TV sofisticada e TV pop: com toda a minha ignorância ou sabedoria, só sou absolutamente feliz como espectadora quando sofro e me divirto, evoluo e me abandono, cérebro e coração juntos e misturados. Quando chego em casa à noite quero esquecer minha pessoa jurídica e ser embalada por algum enredo que fale à minha carne, tanto faz se é um filme do Chaplin ou com a Julia Roberts. Nina, Adauto, Carminha e Tufão me salvaram de mim mesma em um ano que, já não sem tempo, tive de ser adulta. E Adriana Esteves entrou com o pé na porta, tocando no lugar sagrado onde atores e personagens se encontram, num templo grego onde moram Odete Roitman, Viúva Porcina, Ana Terra e Cabíria.

Fico feliz que Nina tenha perdoado Carminha, e vice-versa. Também eu perdoarei meus pais e seguirei em frente, com a família possível. Porque uma das belezas da vida é que um ano vem depois do outro, as estações se sucedem, e chega um dia em que, assim como a personagem de Débora Falabella, paramos de olhar para trás com mágoa e vemos que há o futuro, cheio de perspectivas de amor e ternura. E que, em meio a essas novas chances que o tempo oferece, às vezes o sonho encontra com a realidade, e a Nina termina com o Tufão.

 

Maria Ribeiro, 37 anos, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de elite, em 2007, e em Tropa de elite 2, em 2010. Seu e-mail: ribeirom@globo.com

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